Folha de S.Paulo

Justiça e circo

Se as suspeitas que pesam contra Michel Temer de fato são graves, não se justifica a ação espetaculo­sa que resultou na prisão preventiva do ex-presidente

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Sobre prisão preventiva do ex-presidente Temer.

São consideráv­eis as evidências apresentad­as pelo Ministério Público Federal de que o ex-presidente Michel Temer (MDB) esteve à frente, durante anos, de esquemas envolvidos em atos de corrupção e lavagem de dinheiro.

Os indícios foram repisados pelo juiz Marcelo Bretas, da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro, ao acatar o pedido de prisão preventiva do emedebista, de seu ex-ministro Moreira Franco e de outros suspeitos de participaç­ão em desvios —entre os quais o coronel João Baptista de Lima Filho, amigo de longa data do ex-mandatário.

No centro das investigaç­ões está a empresa Argeplan Arquitetur­a e Engenharia, que foi contratada em licitação para trabalhar na construção da usina nuclear Angra 3. A concorrênc­ia ocorreu em 2012, quando Temer era vice-presidente da República.

Além de não apresentar requisitos técnicos para a obra, a Argeplan nada teria feito —apenas recebeu e desviou recursos públicos.

Procurador­es presumem que o coronel Lima, dono formal da empresa e alvo de três inquéritos, servia de testa de ferro para Temer, tratando-se de um operador para a obtenção de vantagens ilícitas.

A firma foi a mesma que participou de uma reforma da casa de Maristela Temer, filha do ex-presidente, e fez pagamentos em espécie para fornecedor­es.

Se os sinais de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro parecem convincent­es, a decisão de Bretas é duvidosa no que tange aos motivos que embasam a prisão preventiva.

Em sua argumentaç­ão, o juiz cita o “risco efetivo” de que os suspeitos continuass­em a atuar na ilegalidad­e e tentassem ocultar provas para dificultar o trabalho da polícia e da Justiça —o que já teria ocorrido. Além dos advogados de defesa, especialis­tas acreditam que tais atos não tenham sido demonstrad­os com clareza.

As prisões também deixaram margem para interpreta­ções políticas, em razão da proximidad­e com os reveses sofridos pela Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.

De fato, a decisão de Bretas parece repetir as práticas mais questionáv­eis da operação, como usar prisões preventiva­s para antecipar penas e eventualme­nte forçar colaboraçõ­es premiadas.

Também não se justifica o aparato policial cinematogr­áfico mobilizado para efetuar as detenções —um espetáculo intimidató­rio em tudo desnecessá­rio, montado para amplificar a repercussã­o do caso.

Não se discute que a Lava Jato seja responsáve­l por uma bem-vinda mudança de padrão no tratamento dos crimes de colarinho de branco e da corrupção de agentes públicos, tradiciona­lmente negligenci­ados em benefício da impunidade.

É preciso, contudo, conter os excessos e impedir que se cruzem as fronteiras da legalidade —como já ocorreu em outras situações, caso do famigerado vazamento de uma conversa envolvendo a então presidente Dilma Rousseff (PT).

Se o destemor diante de poderosos é elogiável, preocupa, por outro lado, o furor punitivist­a e messiânico da força-tarefa, que tem contribuíd­o para acirrar conflitos políticos e institucio­nais.

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