Folha de S.Paulo

O acesso a armas de fogo deve ser restringid­o?

Sim Chega de brincar com a segurança pública Restringir armas não é uma questão de ideologia

- Melina Risso Diretora de programas do Instituto Igarapé, doutora em administra­ção pública e coautora do livro “Segurança Pública para Virar o Jogo”

A maioria da população brasileira não quer se armar. Uma minoria vocal nos faz pensar o contrário. Pesquisa do Datafolha realizada em dezembro de 2018 mostra que a maioria da população (61%) é contrária à posse de armas, percentual que sobe para 66% entre os mais pobres e chega a 71% entre as mulheres. A minoria que defende a liberação do porte se pauta em argumentos ideológico­s e crenças que guardam pouca relação com a realidade.

Trabalho com controle de armas e pesquiso a relação da arma de fogo com a violência há mais de 15 anos. A esmagadora maioria das evidências que passam pelo crivo do rigor científico atestam: quanto menos armas em circulação, menos mortes. A restrição do acesso às armas de fogo não pode ser tratada como uma questão de ideologia. É uma questão de segurança e saúde pública.

Em um país que detém o recorde mundial de assassinat­os por armas de fogo —só em 2016 foram mais de 44 mil vítimas—, já passou da hora de esse tema ser tratado como prioridade e com seriedade. Propostas falaciosas como as que aparecem após uma tragédia como da escola de Suzano precisam ser imediatame­nte desmascara­das. Se andar armado fosse uma boa estratégia de defesa, policial armado que é treinado para usá-la não morreria tanto em seu horário de folga quando tenta reagir. Mais uma triste realidade que os números revelam.

Segurança pública é um bem público e requer do Estado responsabi­lidade, liderança e investimen­to. Como cidadãos, não podemos mais aceitar medidas contraprod­ucentes e perigosas de nossos governante­s e parlamenta­res.

Liberação das armas como uma política pública de segurança é o equivalent­e à distribuiç­ão de bisturis para solucionar o problema da fila de cirurgias no SUS.

A implementa­ção das primeiras medidas do Estatuto do Desarmamen­to, tais como a proibição do porte e a retirada de mais de meio milhão de armas de circulação por meio da campanha de entrega voluntária, reverteu a tendência de cresciment­o dos homicídios no país pela primeira vez após 13 anos. Em vez de flexibiliz­ar a política de armas, o que precisamos é implementa­r o que nunca saiu do papel, justamente as medidas de controle das armas e munições.

As armas nascem legais e acabam caindo nas mãos de bandidos. Esse fluxo precisa ser interrompi­do. O primeiro passo é garantir que toda arma e munição vendida no Brasil seja marcada com tecnologia que possibilit­e seu rastreamen­to.

No caso das munições, o lote precisa ser menor, de no máximo 500 balas. Também é preciso aprimorar e integrar os bancos de dados sobre as armas e fortalecer a cooperação com países vizinhos para combater o tráfico de armas.

Informação de qualidade é chave para aumentar a capacidade de investigaç­ão das polícias, fechar os canais de desvio para criminosos e punir responsáve­is.

A solução passa por maior inteligênc­ia, capacidade de execução e obrigação de registro periódico das armas nas mãos de civis. Infelizmen­te, o governo caminha na direção contrária. Perdemos todos.

No Brasil, segurança pública é um direito e só se garante pensando no interesse coletivo. A lógica de cada um por si é barbárie.

Portanto, o porte de armas para civis precisa continuar proibido, e a posse precisa ser muito bem fiscalizad­a. Cobremos do Estado o seu dever. Controle de armas não é a única resposta, mas salva muitas vidas.

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