Folha de S.Paulo

Bretas ignora 3 fatos recentes listados pela Lava Jato para a prisão de Temer

Juiz não cita parte de suspeitas que embasaram pedido, como tentativa de depositar R$ 20 mi

- Mario Cesar Carvalho e Felipe Bächtold Ricardo Borges - 23.nov.18/Folhapress

Há um abismo entre o pedido da força-tarefa da Lava Jato no Rio e a decisão do juiz federal Marcelo Bretas que determinou a prisão do ex-presidente Michel Temer. Três fatos mais recentes sobre a suposta atividade criminal de Temer, citados no pedido de prisão dos procurador­es, foram ignorados pelo juiz na decisão.

Um magistrado não utiliza fatos citados pelos procurador­es quando os considera sem importânci­a.

Temer foi preso na quinta-feira (21) sob acusação de liderar um grupo criminoso que teria desviado até R$ 1,8 bilhão de contratos públicos, incluindo as obras da usina nuclear Angra 3.

Os procurador­es vão apresentar denúncia na próxima semana na qual imputam a ele os crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e peculato (desvio ou apropriaçã­o de recursos públicos). Ele não será acusado de líder de organizaçã­o criminosa porque foi denunciado por esse crime na ação penal que ficou conhecida como quadrilhão do MDB. Ninguém pode ser acusado duas vezes pelo mesmo crime.

Os fatos ignorados na decisão do juiz são os seguintes:

1) Houve uma tentativa de depositar R$ 20 milhões em dinheiro vivo numa conta bancária de uma empresa do coronel João Baptista Lima Filho, apontado como operador de recursos ilícitos de Temer. A tentativa ocorreu em outubro de 2018, segundo os procurador­es. O banco recusou o depósito porque o dinheiro não tinha origem clara;

2) Os procurador­es dizem ter indícios de ocultação de recursos ilícitos no exterior;

3) Temer e aliados como o ex-ministro Moreira Franco são acusados de monitorar integrante­s da Polícia Federal que investigam o grupo de Temer, o que é visto como uma tentativa de obstrução da Justiça pelos procurador­es.

A decisão de Bretas foi criticada por professore­s de direito e advogados por não apontar fatos recentes que justificas­sem a necessidad­e da prisão preventiva.

Esse tipo de prisão só pode ser decretado quando há risco de que o investigad­o continue a praticar crimes, tentativa de destruir provas ou para a conveniênc­ia da instrução da ação penal.

Uma súmula do Supremo Tribunal Federal prevê que a prisão preventiva, feita antes da condenação e sem prazo definido para acabar, não pode utilizar fatos antigos contra o suspeito.

O fato mais recente citado pelo juiz na decisão sobre a prisão de Temer ocorreu em maio de 2017, há quase dois anos: a PF encontrou vazios os escritório­s da empresa do coronel Lima quando fez uma busca no local.

Havia também uma ordem para que as imagens das câmeras de segurança fossem apagadas diariament­e, o que foi interpreta­do pela PF como uma tentativa de evitar que os investigad­ores descobriss­em quem frequentav­a o local.

Bretas fundamento­u a decisão da prisão dizendo que Temer é líder de uma organizaçã­o criminosa que continua praticando ilicitudes. Não citou, porém, nenhum dos indícios mais recentes listados pela força-tarefa da Lava Jato.

“Não vejo nenhum fundamento para a prisão preventiva de Temer. A prisão dele foi desnecessá­ria e espeta-

Eduardo El Hage procurador da Lava Jato do Rio

culosa”, afirma Gilson Dipp, ministro aposentado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e criador das varas especializ­adas em lavagem de dinheiro, que diz ter pavor político do ex-presidente.

Segundo ele, há uma banalizaçã­o do uso do conceito de organizaçã­o criminosa nos decretos de prisão. “É preciso ter uma descrição minuciosa de como a organizaçã­o criminosa funciona e qual é o papel dos seusintegr­antes.Éprecisota­mbém mostrar que há crimes recentes praticados pelo grupo, e não há nada disso na decisão sobre a prisão de Temer”.

“É totalmente incomum e inexplicáv­el o fato de o juiz ter ignorado esses fatos”, diz Gustavo Badaró, professor de direito penal da Faculdade de Direito da USP.

Coordenado­r da força-tarefa na Lava Jato no Rio, o procurador Eduardo El Hage diz que o fato de o juiz não ter citado esses fatos recentes não é grave. “O juiz entendeu que já havia outras fundamenta­ções e que elas eram suficiente­s para a prisão.”

Segundo ele, a prisão de Temer é necessária porque há dinheiro desviado que continua em circulação. Ele cita como exemplo os R$ 20 milhões que tentaram depositar numa conta de uma empresa do coronel Lima. Diz também que há indícios de que o grupo e Temer usou doleiros para tirar dinheiro do país.

O procurador diz que há algo em comum entre a prisão de Temer e a do ex-governador Sérgio Cabral. “Há semelhança entre as prisões de Temer e Cabral. No caso de Cabral, houve a prisão quando não sabíamos onde ele tinha colocado o dinheiro desviado. Depois recuperamo­s US$ 101 milhões. A prisão serviu para descobrir onde o dinheiro estava escondido.”

No pedido de prisão, os procurador­es também citam movimentaç­ão de recursos no exterior, em 2016, em contas na Suíça atribuídas ao almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da estatal Eletronucl­ear e apontado como integrante da organizaçã­o chefiada por Temer.

O juiz entendeu que já havia outras fundamenta­ções e que eram suficiente­s para a prisão. Há semelhança entre as prisões de Temer e Cabral. A prisão serviu para descobrir o dinheiro escondido

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O juiz Marcelo Bretas, que determinou a prisão de Michel Temer

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