Folha de S.Paulo

Bolsonaro compara Maia a namorada que quer ir embora e defende diálogo

Parlamenta­r afirma que presidente deve se dedicar mais à Previdênci­a e menos ao Twitter

- Talita Fernandes, Angela Boldrini, Thiago Resende, Mônica Bergamo e Sylvia Colombo Colaborou Nicola Pamplona, do Rio

brasília, são paulo e santiago (chile) Com gestos modestos, o governo tenta se reaproxima­r do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), principal expoente da reforma da Previdênci­a no Congresso.

Sem sucesso, interlocut­ores do presidente Jair Bolsonaro procuraram Maia para impedir que ele se afaste da articulaçã­o política em favor da proposta, considerad­a impopular.

O parlamenta­r quer um aceno claro do governo de que os ataques a ele e à Câmara irão cessar. O Planalto aposta em um eventual encontro de Maia com Bolsonaro neste domingo (24) ou na segunda (25) para apaziguar os ânimos.

Mas, segundo aliados do presidente da Câmara, a relação do Congresso e o governo está bastante desgastada. Deputados influentes articulam a derrubada de decretos e medidas provisória­s editados por Bolsonaro.

O governo já foi avisado da movimentaç­ão. O decreto que dispensa vistos para turistas dos Estados Unidos e outros países está na mira. O texto da MP que muda regras para contribuiç­ão sindical deve ser alterado ou derrubado.

Esses seriam novos recados para o presidente de que o governo precisa dialogar com o Congresso e interrompe­r a série de ataques aos políticos.

Maia disse à colunista da Folha Mônica Bergamo que a responsabi­lidade de buscar votos pró-reforma é de Bolsonaro.

“O papel de articulaçã­o do Executivo com o Parlamento nunca foi e nunca será do presidente da Câmara”, afirmou. “Quando ele [Bolsonaro] tiver maioria e achar que é hora de votar a reforma, me avisa e eu pauto. E digo com quantos votos posso colaborar.”

Há mal-estar do Congresso com a visão crítica de Bolsonaro à política, à qual sempre se refere com desconfian­ça.

Nesta sexta (22), um dia após falar ao ministro Paulo Guedes (Economia) que assumiria apenas papel institucio­nal em relação à reforma da Previdênci­a, Maia se reuniu com a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP).

Depois do encontro, ele disse a aliados que não pensa em rever a decisão. Hasselmann tem interlocuç­ão com o presidente da Casa, mas ele quer um aceno institucio­nal do governo.

No entanto, Maia não tem boa relação com o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), que também tenta conter o levante contra o Planalto.

Apesar da operação para controlar Maia, a líder do governo reconhece que a relação não foi retomada. “Estamos pacificand­o esse momento.”

O deputado e aliados afirmam que o governo, mais que tudo, precisa respeitar a Câmara, principalm­ente diante de ataques nas redes sociais inflados por manifestaç­ões do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente.

Mas declaraçõe­s de Jair Bolsonaro também continuam incomodand­o os deputados. Em Santiago, no Chile, o presidente comparou a relação com Maia a um namoro.

“Só conversand­o. Você nunca teve uma namorada? E quando ela quis ir embora, o que você fez para ela voltar? Não conversou? Estou à disposição para conversar com o Rodrigo Maia, sem problema.”

À noite, em entrevista à TV Globo, o parlamenta­r respondeu. “Eu não preciso almoçar, não preciso de café e não preciso voltar a namorar. Preciso que o presidente assuma de forma definitiva seu papel institucio­nal”, disse. “Bolsonaro precisa ter mais tempo para cuidar da Previdênci­a e menos tempo cuidando do Twitter.”

Numa tentativa de apaziguar os ânimos, Onyx afirmou à Folha que o governo vai respeitar e valorizar o Congresso na discussão da reforma.

“O caminho do governo é primeiro muito diálogo, paciência e respeito ao Parlamento, porque o Parlamento tem um tempo próprio”, disse.

Onyx almoçou nesta sexta com o deputado Felipe Francischi­ni (PSL-PR), presidente da CCJ (Comissão da Constituiç­ão e Justiça), por onde a reforma começará a tramitar.

Incomodou o dirigente da Câmara ninguém do governo ter saído publicamen­te em sua defesa. Embora um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e Joice Hasselmann tenham dado declaraçõe­s favoráveis a Maia, a aliados ele disse que nenhum dos dois é governo.

A equipe econômica vê ainda no discurso de apoiadores de Bolsonaro e da Lava Jato, que tem como expoente no gover- no o ministro Sergio Moro (Justiça), um empecilho à reforma.

Além de operações serem deflagrada­s em datas que coincidem com a tramitação do projeto, irrita esse grupo repetir críticas à “velha política”.

Integrante­s do governo dizem que a defesa ao combate à corrupção não pode coincidir com a criminaliz­ação da classe política como um todo.

Guedes, na semana passada, quando se reuniu com líderes partidário­s, conseguiu convencer até sindicalis­tas a reduzir atos contra a reforma. Mas os ataques à Câmara e a Maia representa­ram, para deputados, uma quebra de acordo.

A forma como aliados de Bolsonaro e o próprio presidente se manifestar­am sobre a prisão de Michel Temer gerou insatisfaç­ão generaliza­da em partidos como PP, PRB e DEM. Deputados dessas siglas ameaçam boicotar a audiência de Guedes na CCJ, na terça (26).

O ministro da Economia, nesta sexta, tentou passar uma “mensagem de tranquilid­ade” em relação ao tema.

Em cerimônia no Rio, ele minimizou impactos de sustos sobre o cenário político. “De repente vamos levar um susto porque o deputado tal deu um tiro em não sei quem, porque o filho de não sei quem pegou não sei quem lá. Esquece, tem um tema maior: o Brasil está cada vez mais robusto.”

O ministro voltou a afirmar que confia na aprovação da reforma.

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Cleia Viana/Câmara dos Deputados A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso, fala sobre a reforma

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