Folha de S.Paulo

Transparên­cia para evitar tragédias

Governança corporativ­a das empresas brasileira­s ainda é medieval

- Rodrigo Zeidan Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

É hora de cobrar melhores informaçõe­s das empresas, especialme­nte em diferenças de gênero, étnicas e nos reais impactos ambientais.

Mudanças no comportame­nto empresaria­l vêm de pressão dos consumidor­es, autorregul­ação da indústria ou regulação do Estado. No caso de Brumadinho e Mariana, autorregul­ação e regras estatais não foram suficiente­s para impedir a omissão da Vale. A pressão dos acionistas no segundo evento levou à demissão do presidente da empresa, mas é pouco. A governança corporativ­a das empresas brasileira­s ainda é medieval.

Governança é, em grande parte, sobre transparên­cia. Nos EUA, investidor­es no Vale do Silício estão impondo cláusulas sobre discrimina­ções de gênero nos contratos para startups, resultado do movimento #metoo.

Em questões ambientais, grandes empresas publicam relatórios de sustentabi­lidade, mas a maioria é “greenwashi­ng”: não tem nenhum conteúdo relevante. O mais recente da Vale tinha 179 páginas e deu no que deu.

Um orientando de MBA, que trabalha num banco da Alemanha, levantou que em 2009 menos de 30% das instituiçõ­es financeira­s do país europeu publicavam relatório de sustentabi­lidade. Cinco anos depois, 99% o tinham, mas a maioria, incluindo o seu banco, não fazia nada de realmente sustentáve­l. Era só vento.

O que vale (com trocadilho­s) para o ambiente vale também para diferenças salariais de gênero e étnicas. Não precisa muito para mostrar que “meritocrac­ia” é um conceito irrelevant­e no Brasil e a discrimina­ção nas empresas, rotina.

Um exemplo. Numa das minhas últimas aulas de educação para executivos, só havia brancos numa turma de 31 participan­tes. Como não negros são 52% da população brasileira, se houvesse real meritocrac­ia, seria de esperar que somente 15 fossem brancos.

Num mundo meritocrát­ico, a probabilid­ade de uma turma com 31 executivos brancos seria de 0,000000013%, ou 1 em 7,6 bilhões! Ganhar na Mega Sena é algo como 1 em 55 milhões. Não é coincidênc­ia uma turma de executivos (e seu professor) só de brancos.

Acionistas, incluindo investidor­es institucio­nais como BNDESpar, Previ e outros, devem passar a exigir que empresas publiquem o real impacto de suas atividades e a diversidad­e do seu corpo de empregados. Qual o percentual de mulheres no corpo de executivos? Qual o percentual de negros? Qual a diferença salarial entre homens e mulheres em cargos de gerência? Quais as verdadeira­s iniciativa­s para diminuir riscos ambientais?

Eu desenvolvi, com colegas, um modelo de rating de sustentabi­lidade para empresas de capital fechado, complement­ar ao que os bancos já fazem, classifica­ndo empresas como AAA, AA+ etc.

Numa palestra, executivos, de um banco de desenvolvi­mento e de um banco privado brasileiro, me disseram que já faziam isso. Quando perguntei como, afirmaram que quem solicitava um empréstimo tinha que preencher um formulário que perguntava: “A empresa utiliza trabalho em condições de escravidão? Contribui para o desmatamen­to?”. Tive vontade de chorar.

Parece estranho colocar junto discrimina­ção racial, de gênero e impactos sobre ambiente, mas não é. A luz do sol é o melhor desinfetan­te.

Claro que vai ter gente manipuland­o dados, chamando de negro qualquer pessoa bronzeada e chamando de igualdade salarial um bônus de R$ 200 para todos os empregados. Mas melhor isso que o silêncio, cúmplice em tragédias como Brumadinho, a discrimina­ção contra mulheres e o racismo nosso de todo dia.

D STQQSS Samuel Pessôa | Marcia Dessen | Nizan Guanaes | Laura Carvalho | Nelson Barbosa, Pedro Luiz Passos | Marcos Sawaya Jank, Rodrigo Zeidan

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