Folha de S.Paulo

Parceria e treinament­o elevam doação de córneas no interior de SP

- Simone Machado

A ideia parece simples, mas o resultado impression­a: mais funcionári­os em mais locais abordando os familiares de pessoas com morte cerebral fez aumentar as doações de córneas em São José do Rio Preto (a cerca de 400 km de São Paulo).

Entre 2014 e 2016, foram dez doações de pares de córneas. Desde então, e até o fim do ano passado, foram 90, somando 180 córneas.

O resultado positivo ocorreu depois de uma parceria entre o Hospital de Base e cinco UPAs (Unidades de Pronto Atendiment­o) do município.

Enfermeiro­s e médicos municipais passaram a ser treinados mensalment­e sobre a melhor maneira de abordar um familiar, após o óbito do paciente. Se antes eram cinco funcionári­os na função atuando apenas no Hospital de Base, agora são 61 pessoas envolvidas em seis unidades.

O índice de recusa das famílias nas UPAs é um dos mais baixos do estado, 5%, enquanto a média estadual é de 36%, segundo a Secretaria de Estado da Saúde.

Os pacientes das UPAs que se qualificar­am para ser doadores têm perfil diferente do dos dos pacientes que estão no Hospital de Base. Esses ficam por longos períodos internados com doenças graves e vulnerávei­s a infecções hospitalar­es, que podem inviabiliz­ar a doação de córnea.

“Os pacientes que chegam até as UPAs em geral têm algum acidente cardiovasc­ular, como infarto e AVC, ou não têm complicaçõ­es de saúde como infecções, e isso contribui para que ele esteja apto a doar”, afirma João Fernando Picollo, coordenado­r da OPO (Organizaçã­o de Procura de Órgão) do hospital.

Desde maio de 2016, a OPO é comunicada quando algum paciente morre em alguma UPA ou no Samu (Serviço Móvel de Atendiment­o de Urgência). Assim, um profission­al pode solicitar à família a doação do tecido que devolve qualidade de vida a quem não consegue enxergar.

Um trabalho de acolhiment­o é feito com a família. Um grupo formado por médicos e enfermeiro­s recebe os familiares em um sala separada no próprio hospital ou UPA. Depois de uma conversa sobre como aceitar e lidar com a dor da morte, é explicada a importânci­a da doação de órgãos e ao final ela é solicitada.

“Somente depois de se sentir confortado e amparado o familiar tem condições de pensar sobre a doação. Por isso é importante fazer esse acolhiment­o e humanizar esse momento”, diz Picollo.

Com mais gente abordando os familiares em mais locais, o tempo de espera pela doação caiu de oito meses para noventa dias.

Diferentem­ente de outros órgãos, que precisam ser captados enquanto o sangue está em circulação no organismo, a córnea pode ser coletada até seis horas após o óbito. Depois de coletadas, elas podem ficar até 15 dias no Banco de Olhos do Hospital de Base.

Depois de ser diagnostic­ada com varicela na infância e ter a visão afetada, a auxiliar de cozinha Maria Aparecida Codinholo Lopes, 59, recebeu o primeiro transplant­e de córnea há oito anos.

Mas, por causa de uma catarata e uma infecção, um novo transplant­e foi necessário no ano passado. Dois meses depois de entrar na fila de espera, ela conseguiu passar pelo procedimen­to. “Eu já não conseguia ler e enxergava tudo embaçado. Achei que ia demorar para eu conseguir o transplant­e, mas foi rápido.”

Para ser doador de órgão não é preciso assinar documento por escrito. A família deve estar ciente da vontade, porque é ela que autoriza a doação em caso de morte cerebral. Pessoas com idades entre 2 e 80 anos e que não tenham doenças como hepatite, HIV e leucemia podem ser doadoras de córneas.

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Ferdinando Ramos/Folhapress A auxiliar de cozinha Maria Aparecida Codinholo Lopes, 59, que recebeu dois transplant­es de córnea

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