Folha de S.Paulo

Único texto infantil de Hilda Hilst é uma introdução à sua obra

Escrito para filho de amigo, ‘Eu Sou a Monstra’ tem o raro ingredient­e capaz de agradar tanto adultos quanto crianças

- Bruno Molinero

FOLHINHA Eu Sou a Monstra Hilda Hilst para Crionças Autora e ilustrador­a: Hilda Hilst. Ed. Quelônio. R$ 60 (54 págs.)

Quando a Festa Literária Internacio­nal de Paraty, a Flip, confirmou que a autora homenagead­a na edição do ano passado seria Hilda Hilst, os organizado­res do evento apresentar­am a sua literatura como uma produção que gira em torno do amor, da morte, do misticismo e da transcendê­ncia.

Um resumo, é claro. Mas um cartão de visitas que pode ajudar a abrir as portas do universo da escritora para um público mais amplo.

É mais ou menos isso o que faz também “Eu Sou a Monstra”. O poema infantil de Hilst, publicado agora na forma de um livreto, com costura externa e pinta de artesanal, ultrapassa a simples diversão entre pais e filhos ou a história para ser lida antes de dormir.

Os versos funcionam como introdução à obra da autora —com um ingredient­e raro: eles são capazes de seduzir tanto crianças quanto adultos.

Talvez porque Hilst não fosse tão fã assim dos pequenos. “Eu não entendo as ‘crionças’. Elas não me entendem. Ficam olhando para mim, esquisitís­simas”, disse certa vez. “Crionças” é como ela se referia a essa faixa etária, em uma mistura de criança com onça.

A falta de idealizaçã­o da infância fazia Hilst tratar meninos e meninas em pé de igualdade. Sobretudo um: Daniel, filho do espanhol Mora Fuentes, amigo da autora que visitava sua Casa do Sol, sítio em Campinas, no interior paulista, que servia de retiro artístico.

Daniel, que hoje é presidente do Instituto Hilda Hilst, era chamado por ela de “meu amigo Daniel” —e essa é a dedicatóri­a de “Eu Sou a Monstra”, que foi escrito para o garoto e, até onde se sabe, é a única produção infantil de Hilst.

“Eu sou a Monstra./ Procuro o Daniel / Para desenhar comi- go/ A Monstra no papel”, começa o texto, que é intercalad­o por desenhos feitos à mão pela escritora —mas que poderiam muito bem ter saído do caderno de uma criança.

O visual despretens­ioso e a linguagem direta repleta de quebras de expectativ­as ajudam a prender a atenção do leitor que ainda está aprendendo a ler. “Eu sou assim?/ A bruxa do mato/ Montada num cavaco?/ (atenção: é cavaco e não cavalo)”, escreve.

Mas aproxima também o adulto que busca um flanco de entrada na produção de Hilst. De certa forma, “Eu Sou a Monstra” pode ser o primeiro degrau que leva a “Da Poesia”, livro publicado pela Companhia das Letras que reúne a produção poética da autora.

Com uma vantagem. Em vida, Hilst lançou grande parte de seus livros de forma artesanal, alguns dos quais pelas mãos do editor Massao Ohno. A edição de “Eu Sou a Monstra” é uma reverência a isso, após a descoberta de sua literatura pelo mercado editorial.

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