Folha de S.Paulo

Marcha inicia pressão para que Reino Unido conclua o brexit

Romaria deve culminar diante do Parlamento no dia que marcaria o adeus britânico à Europa: 29 de março

- Lucas Neves

wetherby (inglaterra) À distância, os mochilões nas costas e a bandeira na cabeceira da fila indiana fazem pensar em um grupo de escoteiros.

O zoom revela um mar de cabeças brancas, sugerindo talvez uma legião de peregrinos. Já o ritmo de caminhada, sincopado, lembra o de um pelotão sênior de marcha atlética.

Mas não é a proteção da natureza, nem a fé, nem o esporte o que congrega cerca de 80 pessoas, no primeiro dia da primavera, à margem de uma estrada sem acostament­o do norte da Inglaterra. Eles só têm pernas para o brexit, a cada vez mais bizantina saída do Reino Unido da União Europeia (UE).

São todos participan­tes (fixos ou apenas por um dia) da Marcha para Sair (March to Leave), que busca aumentar a pressão sobre o governo Theresa May e o Parlamento para que agilizem o processo.

Na quinta (21), sexto dos 14 dias do périplo, a turma recebeu uma notícia pouco alvissarei­ra (para eles, em todo caso): a UE adiou ao menos até 12 de abril o Dia D do brexit, dando a May mais duas semanas para resolver o imbróglio da aprovação do “acordo de divórcio” pelos parlamenta­res.

Iniciada na cidade litorânea de Sunderland (nordeste da Inglaterra), a romaria deve culminar na frente do Parlamento, em Londres, na data que marcaria o adeus britânico à Europa: 29 de março.

A reviravolt­a da última semana é feito brisa a soprar sobre as bandeiras do grupo. Ao lado delas, pululam cartazes com dizeres como “parem de trair o brexit”, “salvem o brexit” e “sair significa sair”.

No plebiscito de junho de 2016, 52% dos eleitores votaram “leave” (sair), contra 48% de “remain” (permanecer).

O grupo vai percorrer 435 km (cerca de 31 km por dia) em uma região bastante atingida pela desindustr­ialização nas últimas décadas e majoritari­amente partidária do “leave”. Uma jornada típica inclui de 6 a 8 horas de caminhada, com parada para almoço.

Quem vai se juntar ao cortejo por dois dias ou mais recebeu, mediante pagamento de 50 libras (R$ 260), um kit “leave”, com camiseta azul ou branca com o nome do evento e plaquinha pró-brexit. A organizaçã­o fornece a esses assíduos hospedagem e alimentaçã­o.

Um ônibus panorâmico que leva a inscrição “acredite na Grã-Bretanha” em letras garrafais conduz os participan­tes a cada manhã ao novo ponto de partida –geralmente, um estacionam­ento— e os traslada, ao fim das atividades, para o hotel da vez.

Uma carreta com banheiros químicos segue o périplo e, como numa maratona, aparece a cada tantos quilômetro­s uma boa alma para oferecer água e bolinhos aos “brexiteiro­s” de estômago vazio. Monitores e seguranças fazem um cordão de isolamento.

O aposentado William Rose, 74, integrou-se pela primeira vez à andança na quarta (20). “Estou com raiva, de saco cheio”, dispara. “Theresa May deixou a UE definir a agenda, e o que eles queriam era nos aplicar um castigo. O acordo que ela fechou é pior do que se tivéssemos decidido ficar.”

Para ele, a UE deseja criar “os Estados Unidos da Europa, uma federação com uma só bandeira, uma só moeda, um só hino e agora, um só Exército [ideia defendida pelo presidente francês, Emmanuel Macron, por exemplo]”.

Enrolada em uma bandeira do Reino Unido, Gaynor Haycock, 56, pensa parecido.

“Não somos contra os europeus, adoramos eles. O problema é a elite política, o establishm­ent: Donald Tusk [presidente do Conselho Europeu], Michel Barnier [negociador-chefe do brexit pelo lado europeu], Jean-Claude Juncker [nº 1 da Comissão Europeia], Angela Merkel [chanceler da Alemanha].”

Na visão dela, esses líderes “querem mandar em todo mundo, querem forçar os membros da UE a abrir mão de sua soberania”.

Haycock diz que a UE destruiu tudo o que era tipicament­e inglês em prol de importaçõe­s. “Estou fazendo isso por meus filhos e netos. Temos de lutar pela liberdade, como nossos antepassad­os”, arremata, com a voz embargada.

A mesma “responsabi­lidade geracional” move o artesão aposentado John Coyle, 65. “Como posso explicar aos meus filhos que democracia é a vontade popular se deixar isso acontecer?”.

Coyle afirma que estará com a marcha no dia 29, na frente do Parlamento, para “testemunha­r a traição”.

Mas talvez as palavras de William Rose consigam acalmá-lo. “No fim, vamos ganhar. Pode ser não ser agora, pode ser que voltemos à casa zero. Mas vamos ganhar.”

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Fotos Andy Buchanan -16.mar.19/AFP Manifestan­tes participam de marcha a favor da saída do Reino Unido da União Europeia, em Sunderland
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Faixa carregada por membros de marcha diz “tirem o Reino Unido”, em marcha em Sunderland, na Inglaterra

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