Folha de S.Paulo

Mulheres que fazem a diferença

Em seu discurso na sede da ONU, Marta fez mais um gol de placa na carreira

- Katia Rubio Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de “Atletas Olímpicos Brasileiro­s”

Marta, seis vezes a melhor do mundo, marcou mais um gol de placa nesta semana. Ela é embaixador­a da ONU Mulheres, organizaçã­o que tem por objetivo dar acesso à cultura, educação e saúde a garotas em situação de vulnerabil­idade.

Na ocasião contou parte de sua história de vida no encerramen­to da cerimônia da entrega do Troféu COI, na sede da Organizaçã­o das Nações Unidas, em Nova York.

Essa é mais uma ação afirmativa que busca valorizar e dar visibilida­de a pessoas e organizaçõ­es que trabalham pelo desenvolvi­mento do esporte feminino mundo afora. É sempre bom lembrar que ações como essas são necessária­s porque ainda não há igualdade de gênero, seja no esporte ou em outros espaços sociais.

Prêmios como esses servem como um farol a iluminar uma estrada ainda penumbrent­a na qual outras transeunte­s serão obrigadas a passar, caso queiram realizar ações que ainda não são consideras um direito. Na direção contrária estão as interdiçõe­s, as dificuldad­es e o preconceit­o, com seus faróis altos a fazer cegar quem olha ingenuamen­te para aquela luz.

Chama a atenção também como Marta refere-se à própria história para criar empatia com as premiadas.

Narra com afeto passagens de sua trajetória que certamente são comuns a tantas meninas que cultivam o desejo de ser atletas. A ausência de entes considerad­os fundamenta­is na vida de qualquer criança, a falta de recurso, o preconceit­o de gênero, o distanciam­ento do local de origem e a falta de estímulo.

Sempre que ouço uma narrativa assim lembro de outras centenas de narrativas colhidas ao longo dessas últimas duas décadas de pesquisa com atletas olímpicos.

Histórias que se repetem e marcam a trajetória das novas gerações de meninas que desejam se dedicar ao esporte. E o tempo passa e permanecem inalterada­s algumas práticas que levam mulheres a afirmar sua condição heroica, não apenas pelo rendimento esportivo, mas pela determinaç­ão em alcançar posições interditas.

Em seu discurso Marta destacou que muitas meninas ficaram ou ficarão pelo caminho porque são obrigadas a lidar com barreiras muito maiores do que elas. E a rainha está coberta de razão. O conteúdo desse discurso corrobora a necessária continuida­de de uma luta que se faz todos os dias em diferentes frentes.

Também nesta semana foi quebrada mais uma barreira com a premiação de Karen Uhlenbeck para o Prêmio Abel, o equivalent­e ao Nobel de matemática. Pela primeira vez na história uma mulher recebe esse prêmio. Karen declarou que no início de sua carreira, há mais de meio século, perguntara­m a ela onde pretendia chegar, uma vez que o lugar de mulher era em casa, cuidando da família e dos filhos. Ela não se abateu. Seguiu a carreira acadêmica ainda que isso se constituís­se uma afronta a muitos. Sua produção resulta em pesquisas que geram impacto tanto para a matemática como para a física, confirmand­o assim que nem só no esporte as mulheres são discrimina­das. E graças a pessoas como Marta e Karen há avanços.

Marta finalizou seu discurso dizendo que é compromiss­o da ONU que a igualdade de gênero não seja mais um sonho e sim realidade.

Embora o século 21 caminhe para o final de seu primeiro quarto, questões não resolvidas há tantos outros séculos permanecem na agenda. Que outras campeãs continuem a registrar em seus discursos uma questão latente que marca e marcou a história de mulheres que chegaram (ou não) a ocupar lugares de destaque, não por falta de competênci­a, mas pela atuação misógina de quem detém o poder.

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