Altura vira tabu e pode afastar jovens com mais de 2,20 metros da NBA
Mas altos que a média, gigantes do basquete universitário dos EUA sofrem com mudança no esporte
Sete anos atrás, Tacko Fall e Christ Koumadje foram descobertos por olheiros de basquete de modo parecido. Para eles, era difícil passar despercebidos.
Nas ruas de Dacar, Senegal, os dois garotos de 2,13 metros de altura se destacavam. Foram descobertos por empregados da Flying Star Academy, uma escola senegalesa de basquete que colocou diversos de seus alunos em times de basquete universitário dos EUA.
O pessoal da escola correu atrás dos adolescentes, implorando que eles tentassem a sorte no basquete.
Na época, Koumadje, hoje com 2,23 metros e aluno de quarto ano na Universidade Estadual da Flórida, preferia o futebol. Fall, hoje com 2,29 metros e aluno do quarto ano na Universidade do Centro da Flórida, se interessava mais por animês e mangás como “Naruto” e “Tokyo Ghost”. Os dois eram, inicialmente, indiferentes ao basquete.
Mas seu potencial para o esporte era difícil de ignorar. Para os observadores, eles pareciam prenunciar um novo Hakeem Olajuwon ou Yao Ming.
Hoje, sua altura já não parece ser um fator tão promissor. Os dois batalharam para se tornar grandes forças no garrafão, mas viram o basquete evoluir de um jogo que cobiçava altura a um esporte mais dinâmico, centrado nos arremessos de três pontos, para o qual seus talentos parecem tão obsoletos quanto uma máquina de fax: não faz mal tê-los, mas já não são inteiramente necessários.
“O que é interessante sobre ambos é que os indicadores analíticos avançados sobre eles são ótimos, mais de um ponto por posse de bola, o que é realmente efetivo no basquete universitário”, disse Steve Kyler, editor do Basketball Insiders, um site que organiza simulações semanais sobre o draft da NBA.
“Se você observar mais a fundo, eles se saem muito bem nas coisas situacionais, mas a verdade é que o jogo da NBA já não é mais esse. O que se procura são pivôs de grande alcance, rápidos”.
“Creio que, por conta do tamanho, talvez surja algum interesse marginal por eles”, disse Kyler. “Mas ter um cara de 2,30 metros como primeira escolha no draft, ou entre as cinco primeiras escolhas, se tornou raro, na NBA atual”.
No jogo universitário, onde a altura ainda pode criar vantagem tangível, Fall e Koumadje —que estão entre os atletas mais altos na Divisão 1 do basquete universitário atual— serão peças cruciais para o desempenho de seus times no torneio final da NCAA, a confederação de esportes universitários dos Estados Unidos.
Mas para além disso, determinar se conseguirão encontrar lugar e propósito na NBA ainda é uma incógnita.
“Estender meu alcance é algo para o que certamente quero trabalhar”, disse Fall, que ajudou o Knights a conquistar sua primeira vaga no torneio final da NCAA desde 2005, com média de quase 11 pontos e sete rebotes por jogo.
“Não vou entrar na quadra e fazer muitos arremessos de três pontos, como tantos pivôs atuais fazem, mas escolherei meus momentos”.
“Mesmo assim, acho que, por mais que o jogo tenha mudado, ainda é preciso ter alguém embaixo da cesta para fazer estrago”, acrescentou.
Escolas de basquete como a Flying Star, do Senegal, se acostumaram a enviar jogadores a outros países. Depois de alguns meses de treino na escola, Fall teve a chance de se transferir para um colégio nos EUA. Sua mãe relutantemente autorizou que o filho partisse, na esperança de que recebesse uma educação melhor.
Seu jogo ainda era muito cru quando ele chegou à Liberty Christian Preparatory School, em Tavares, Flórida, e Fall quase desistiu do basquete. Mas ele refinou seu jogo viajando para amistosos com um time que também incluía Ben Simmons, hoje jogador do 76ers. Fall também treinou em Houston com Olajuwon, que é parte do Hall da Fama do basquete e enfatizou a importância do trabalho de pés, para um pivô da altura dele.
Ocasionalmente, Fall via jogos de Simmons na Montverde Academy, uma escola próxima, que recebeu Koumadje na chegada deste aos Estados Unidos. Fall e Koumadje conviviam pouco em Dacar, mas ao chegarem aos Estados Unidos começaram a conversar por telefone e Facebook.
Suas conversas raramente giravam em torno do basquete. Em lugar disso, eles se queixavam das dificuldades que enfrentavam para se ajustarem à vida como jovens de mais de 2,10 metros de altura e vivendo a sete mil quilômetros de casa.
Koumadje, como Fall, compreende que dificilmente se converterá em um pivô arremessador como os jogadores de força atuais da NBA. Antes de seu ano final no segundo grau, ele participou de jogos amistosos na Universidade do Sul da Califórnia com Andre Drummond, hoje no Detroit Pistons. Foi lá, disse Koumadje, que ele percebeu ser mais efetivo jogando fixo embaixo da cesta.
“O jogo está evoluindo, e é isso que as pessoas querem”, disse Koumadje, titular de seu time há dois anos e líder do Seminoles em tocos nesta temporada. “Mas prefiro jogar da maneira que sou mais forte. É isso que faço”.
Para Fall, o momento decisivo veio na sua segunda temporada pela Universidade do Centro da Flórida, quando ele estudou a possibilidade de se inscrever no draft da NBA em 2017. Cinco times lhe disseram que ele teria de melhorar muito para se adaptar à velocidade dos profissionais, especialmente na defesa contra jogadas de “pick and roll”.
Johnny Dawkins, o treinador da equipe de Fall, jogou como armador na Universidade Duke e em companhia de pivôs gigantescos como Shawn Bradley e Manute Bol, na NBA. Ele foi contratado antes do início do segundo ano de Fall e criou um plano de três anos para o jogador. Melhorar sua mobilidade e resistência física eram os primeiros objetivos, seguidos pela recepção da bola sob a cesta e por treinamentos sobre como escapar de marcações duplas e triplas. Nesta temporada, Dawkins posicionou Fall distante da cesta, no perímetro, para as jogadas de defesa.
Onde quer que esteja posicionado, Fall muitas vezes força o jogador adversário a saltar mais alto para o arremesso, para passar a bola por sobre seus braços.
Embora os dois sonhem jogar na NBA, nenhum deles vem aparecendo nas simulações de draft. Eles planejam uma vida pós-basquete.
Koumadje disse que gostaria de trabalhar nas Nações Unidas, e ajudar os refugiados no Chade. Fall quer se tornar engenheiro.
“O basquete me abriu muitas portas, mas há mais em mim que o basquete, a cesta”, disse Fall. “Não quero ser definido por isso. Tampouco quero ser visto como espetáculo”.