Folha de S.Paulo

Com sobrevida alemã, brasileiro se aposenta 10 anos mais tarde

Quem para de trabalhar sem cumprir idade mínima passa cada vez mais tempo recebendo benefício

- Érica Fraga, Ana Estela de Sousa Pinto e Anaïs Fernandes

Homens e mulheres brasileiro­s que chegam aos 60 anos têm uma expectativ­a de vida quase tão grande quanto a dos alemães e maior do que a dos poloneses, mas se aposentam cerca de uma década mais cedo.

Embora o Brasil acompanhe o resto do mundo na tendência de aumento contínuo da longevidad­e, ainda permite aposentado­rias sem idade mínima, enquanto muitas nações ricas e emergentes têm elevado a exigência de idade para se aposentar.

Isso explica porque a realidade brasileira é uma clara exceção quando os dados de sobrevida e idade média de aposentado­ria do país são comparados aos dos membros da OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e o Desenvolvi­mento Econômico), como mostram os gráficos ao lado.

A comparação leva em conta, no caso brasileiro, a idade média das aposentado­rias por tempo de contribuiç­ão, considerad­as como uma das principais causas de desequilíb­rio das contas da Previdênci­a (os dados são de 2017, os mais recentes disponívei­s).

A expectativ­a média de vida da população a partir dos 60 anos é o indicador mais adequado para avaliar a sustentabi­lidade de regimes previdenci­ários pois seu cálculo não é distorcido pela idade daqueles que morrem precocemen­te.

Para ilustrar a importânci­a de ajustar as regras de aposentado­ria à luz do avanço da sobrevida, a pesquisado­ra Ana Amélia Camarano lembra que as mulheres brasileira­s que se aposentara­m em 2014 —em média com 52,7 anos e após contribuir por 30 anos— ainda tinham pela frente outros 31,7 anos de vida.

“Elas passaram mais tempo aposentada­s do que contribuin­do para a Previdênci­a”, diz a coordenado­ra de estudos e pesquisas de igualdade de gênero, raça e gerações do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

A pesquisado­ra observa que, no caso dos homens, entre 1982 e 2014, a expectativ­a de vida aumentou três anos e meio, mas o tempo que eles passavam trabalhand­o caiu um ano e meio.

Com o aumento da longevidad­e, a tendência é que as aposentado­rias dos brasileiro­s durem cada vez mais, caso as regras para o início do benefício não mudem.

A fatia da vida na qual o brasileiro passa aposentado aumentou cerca de 30% em 15 anos.

Em 2002, homens e mulheres que se aposentara­m por tempo de contribuiç­ão viviam um quinto da vida na aposentado­ria (21% e 22%, respectiva­mente).

Em 2017, a proporção já era de quase 28% para homens e 28,5% para mulheres, segundo trabalho do economista Rogério Nagamine Costanzi, atual subsecretá­rio do Regime Geral de Previdênci­a Social.

O estudo, do qual também participar­am os especialis­tas do Ministério da Economia Alexandre Fernandes, Carolina Fernandes dos Santos e Otavio Sidone, mostra que a aposentado­ria ficou ainda mais precoce nesse período: a idade caiu cerca de seis meses para homens e mulheres.

Segundo a maioria dos economista­s, a falta de adequação ao maior tempo de sobrevida torna o sistema brasileiro insustentá­vel. “Não faz sentido a população ficar pagando para uma pessoa ficar 30 anos aposentada”, diz Marcello Estevão, diretor global de macroecono­mia do Banco Mundial.

O economista ressalta que, nos casos de algumas categorias de servidores públicos, o benefício equivale a 100% do salário no fim da carreira.

“Além da pressão sobre as contas públicas, isso é uma injustiça, que agrava a desigualda­de social”.

Embora uma mudança nas regras das aposentado­rias seja considerad­a urgente, o impacto das rápidas mudanças demográfic­as vai além da questão previdenci­ária.

Após décadas de expansão, a parcela da população em idade ativa no país já começa a diminuir. A manutenção dos idosos no mercado de trabalho por mais tempo ajudaria a amenizar o efeito negativo dessa transforma­ção para a produtivid­ade da economia.

“Pesquisas recentes têm mostrado que, ao contrário do que muitos imaginam, não existe uma relação entre idade e produtivid­ade”, diz Estevão.

Além de importante para o equilíbrio do regime previdenci­ário e para o cresciment­o da economia, a continuaçã­o do trabalho na maturidade ajuda os idosos a se sustentare­m em um momento da vida em que gastos com saúde disparam.

O cirurgião cardiologi­sta Sérgio Almeida de Oliveira, 82, por exemplo, diz que sua atividade laboral é fundamenta­l para a manutenção de seu padrão de vida e sua saúde física e mental.

“A vida é uma luta contínua. Se ficamos em casa, a mente regride”, diz ele, que não tem planos para parar de trabalhar.

Para continuar ativo, Oliveira diz estudar, frequentar congressos e manter uma rotina de exercícios físicos, incluindo a prática de golfe.

Corroboran­do o diagnóstic­o de pesquisado­res, o cirurgião percebe que o contato com sua equipe representa uma troca mutuamente vantajosa. Os mais jovens ganham com sua experiênci­a, e ele se beneficia da maior proximidad­e deles com novas tecnologia­s.

Mas, segundo a consultora Denise Mazzaferro, casos de profission­ais maduros bem resolvidos como o de Oliveira são exceção. A falta de preparação dos brasileiro­s para continuar no mercado de trabalho além dos 60 pode se tornar um problema grave, diz.

“Claro que precisamos nos preocupar com a reforma da Previdênci­a, mas ninguém está pensando em como os mais velhos continuarã­o trabalhand­o”, diz ela, que é sócia da Angatu IDH, consultori­a especializ­ada em programas pós-carreira.

Denise conta que as empresas que a contratam para orientar profission­ais próximos da aposentado­ria costumam querer focar planejamen­to financeiro e qualidade de vida. “Quando conversamo­s com esses profission­ais, notamos que eles querem continuar trabalhand­o, mas não sabem como.”

Para a especialis­ta, são necessário­s programas de requalific­ação profission­al específico­s para trabalhado­res maduros e adaptações do mercado de trabalho, como jornadas de trabalho mais flexíveis.

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Karime Xavier/Folhapress O cirurgião cardiologi­sta Sérgio Almeida de Oliveira, na ativa aos 82 anos, diante do arquivo de prontuário­s de seus pacientes
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Folhapress Karime Xavier/ Cirurgião cardiologi­sta Sérgio Almeida de Oliveira, 82, diz que trabalhar mantém seu padrão de vida

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