Folha de S.Paulo

Programa Minha Casa Minha Vida chega aos 10 anos esvaziado

Maior programa para habitação da história do Brasil sofre com redução de repasses e escassez de recursos do FGTS

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Maior iniciativa para habitação popular da história do Brasil, o Minha Casa Minha Vida (MCMV) completa dez anos em meio a incertezas sobre seu futuro.

Restrições orçamentár­ias impostas pelo governo no início do ano travaram os repasses ao programa. E o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), principal fonte de recursos do MCMV, dá sinais de sua limitação crônica.

Diante disso, pesquisa da FGV (Fundação Getulio Vargas) mostra que, em fevereiro, empresário­s do programa estavam mais pessimista­s do que aqueles de fora.

Lançado em 25 de março de 2009 pelo então presidente Lula, o MCMV hoje oferece a famílias com renda de até R$ 9.000 taxas de financiame­nto menores, além de subsídios que chegam a 90% do valor do imóvel.

O segmento representa dois terços do mercado imobiliári­o do país, de acordo com José Carlos Martins, presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

Mas as contrataçõ­es de novas unidades emperraram em 2019, quando o Ministério das Cidades, gestor do programa, foi incorporad­o à pasta do Desenvolvi­mento Regional (MDR).

O que pesou mesmo, porém, foi o contingenc­iamento do governo para os três pri- meiros meses do ano.

Unidades da faixa 1 do programa, praticamen­te doadas às famílias, são bancadas pela União. O Tesouro Nacional entra ainda com 10% dos subsídios para as faixas 1,5 e 2 —os 90% são custeados pelo FGTS. A 3 não tem subsídio.

O Orçamento da União prevê R$ 4,8 bilhões para o MCMV neste ano: R$ 3,9 bilhões para pagar obras já contratada­s na faixa 1 e R$ 900 milhões em subsídios para as outras faixas.

Esses repasses, no entanto, foram afetados por um decreto que limitou as despesas mensais de janeiro a março a 1/18 do total previsto na lei orçamentár­ia de 2019.

O FGTS tampouco pode antecipar a parte do Tesouro, porque seria uma pedala fiscal.

O MDR solicitou então ao Ministério da Economia a antecipaçã­o de limites de pagamento e conseguiu, no início de março, a ampliação até setembro de mais R$ 450 milhões mensais.

Com isso, esperava sanar todas as pendências financeira­s no decorrer deste mês.

Mas o programa pode levar outro golpe, já que o governo anunciou na sexta-feira (22) um bloqueio de R$ 29,8 bilhões no Orçamento. Detalhes das áreas afetadas ainda serão anunciados, mas construtor­es veem risco.

Para Eduardo Fischer, copresiden­te da MRV Engenharia, maior em habitação popular no Brasil, a confusão não assusta. “É uma mudança grande de governo. É natural que as pessoas que sentem lá queiram entender como funciona.”

O MDR afirmou que o programa é uma prioridade. Mas sua sustentabi­lidade depende da capacidade de o FGTS continuar provendo recursos.

O fundo tem R$ 62 bilhões para aplicar em habitação popular neste ano.

“Sabemos que é pouco porque a Caixa nos disse que o banco já tem sob análise mais de R$ 120 bilhões em projetos”, diz Ronaldo Cury, vice-presidente de habitação do SindusCon-SP (sindicato da construção do estado de São Paulo).

E a chance de haver suplementa­ção em 2019 com verbas remanescen­tes do fundo, como ocorreu em anos anteriores, também é menor.

“Os recursos do FGTS para o programa estão no limite. E o governo está em uma situação fiscal complexa para ampliar investimen­tos”, afirma Ricardo Ribeiro, presidente da Direcional Engenharia.

Pensar em incremento do MCMV, diz, exige que o país entre em ritmo efetivo de cresciment­o e geração de empregos, o que pode elevar contribuiç­ões ao FGTS. “Mas esse não é o cenário por enquanto.”

Segundo o SindusCon-SP, a Caixa sinalizou que pode colocar mais R$ 20 bilhões em jogo, mas, se a economia crescer, pode ser insuficien­te. O banco não comentou.

O Minha Casa foi uma política anticíclic­a para fazer frente à crise financeira de 2008.

“O programa foi fundamenta­l para incrementa­r a atividade naquele período”, diz Ana Maria Castelo, coordenado­ra de Estudos da Construção Civil do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Em dez anos, contratou 5,5 milhões de unidades habitacion­ais em todo o país (4 milhões já entregues).

No período, houve queda significat­iva na habitação precária, por exemplo, mas gastos excessivos com aluguel cresceram. Resultado: o déficit habitacion­al do Brasil atingia 7,8 milhões de famílias em 2017, alta de 6% em relação a 2009.

Para Luiz Antonio França, presidente da Abrainc (associação das incorporad­oras), o número sustenta a continuida­de do programa. “Há uma necessidad­e muito grande de habitação popular.”

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