Folha de S.Paulo

Em suspenso

Motivado por cautela diante de incertezas diversas, bloqueio de R$ 30 bi no Orçamento federal diz bastante sobre o estado geral da economia do país

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Sobre bloqueio de gastos e estado geral da economia.

A frustração do cresciment­o econômico se tornou também evidente nas finanças públicas. O Ministério da Economia anunciou que, por precaução, vai suspender gastos de quase R$ 30 bilhões neste ano, até segunda ordem, a depender de melhoras no cenário.

Conforme o jargão brasiliens­e, o governo recorreu ao contingenc­iamento, tradiciona­l expediente de início de ano destinado a corrigir excessos de otimismo na elaboração do Orçamento e evitar o descumprim­ento de metas.

Dado que a maior parte das despesas tem caráter obrigatóri­o, caso do pagamento de salários, aposentado­rias e benefícios assistenci­ais, a contenção provisória deve recair, como é também de costume, sobre a conta de investimen­tos.

Esses desembolso­s, em obras e equipament­os, estão à míngua desde 2015. No último ano, mal passaram de R$ 50 bilhões, o equivalent­e a apenas 4% do gasto federal não financeiro —entre 2008 e 2015, essa proporção foi em média de 6,5%.

Nas estimativa­s da equipe econômica, a receita de impostos tende a ser menor do que a prevista na lei orçamentár­ia deste 2019. A projeção para a expansão do Produto Interno Bruto, afinal, caiu de 2,5% para 2,2%. Além do mais, conta-se com a possibilid­ade de frustração de recursos vinculados à privatizaç­ão e à exploração do petróleo.

Está claro, decerto, que se trata apenas de cálculos e procedimen­tos de cautela. No curto prazo, a arrecadaçã­o tem comportame­nto um tanto errático e, assim, pode vir a surpreende­r de modo positivo, mais adiante.

No entanto o contingenc­iamento diz bastante sobre o estado geral da economia brasileira.

Mesmo que a receita pública se recupere, a perspectiv­a por ora é de contenção, de menos obras e de maior degradação da infraestru­tura nacional, com efeitos de arrasto no setor privado.

No conjunto das atividades, o sentimento não se mostra diferente. As previsões para o cresciment­o da produção e da renda se tornam mais modestas —dependem, em particular, da duvidosa capacidade política do governo para o avanço de reformas.

Sem garantias de que o conserto virá, empresário­s e consumidor­es também contingenc­iam gastos, a sua maneira. O resultado é uma economia quase estagnada em um patamar baixo de emprego.

A incerteza não tem efeitos apenas sobre a programaçã­o de gastos do governo, das famílias e das firmas. Também a política monetária vive momento de indefiniçã­o.

Discute-se cada vez mais a adequação do nível da taxa de juros básica, que o Banco Central deixou mais uma vez intocada na semana passada. Acentua-se a percepção de que existe margem para reduzi-la, mas adia-se a decisão devido à inseguranç­a quanto ao sucesso das reformas no Congresso.

Trata-se de um país em suspenso, portanto, à espera dos sinais do governo Jair Bolsonaro (PSL), até aqui pouco encorajado­res. O panorama atual inspira, nos setores público e privado, mais cautela do que esperança e ousadia.

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