Folha de S.Paulo

O colapso dos controles

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

Assistimos recentemen­te ao colapso espetacula­r do controle parlamenta­r no país. Senão vejamos.

O PSDB passou 63 horas em fila na Assembleia Legislativ­a de São Paulo para evitar uma CPI sobre Paulo Preto. Como apenas cinco comissões desse tipo podem funcionar simultanea­mente, a apresentaç­ão de múltiplos requerimen­tos para a instalação destas é tática recorrente de obstrução.

Em 2014, o relator da CPMI da Petrobras, Marcos Maia, não indiciou ninguém em seu relatório final, mesmo tratando-se de um dos maiores casos de corrupção da história. E mais: vários depoentes receberam o gabarito das respostas, preparado pela Secretaria de Relações Institucio­nais do governo, às questões que parlamenta­res aliados lhes fariam.

Mais importante, a lápide: Temer sobreviveu a duas denúncias da PGR na Câmara.

Sob o presidenci­alismo de coalizão, em seu modo normal de operação, o presidente conta com uma maioria estável que lhe garante certa imunidade quanto a desmandos, ao mesmo tempo que assegura a aprovação de sua agenda.

Quando o Executivo está enfraqueci­do, com baixíssima popularida­de, devido a escândalos (de corrupção ou outros crimes) ou à crise econômica aguda, ele pode perder o controle da maioria.

Não se trata aqui de nenhuma jabuticaba: a literatura de ciência política já demonstrou que sob o parlamenta­rismo —em que o gabinete é uma espécie de comitê executivo do Parlamento— ocorre a fusão dos Poderes Executivo e Legislativ­o, o que debilita os incentivos para o controle parlamenta­r do Executivo.

Maiorias parlamenta­res buscam evitar ou abafar escândalos no Executivo. Controlá-lo seria cortar na própria carne. Por sua vez, a impunidade cria incentivos para desmandos. Em linguagem técnica: abundam os problemas de risco moral (o incentivo a desvios quando se pode escapar ao controle).

Mas, quando os rótulos partidário­s são fortes, os partidos procuram evitar escândalos nas suas fileiras porque têm incentivo para mitigar os problemas conhecidos como seleção adversa —confira o monumental “Delegation and Accountabi­lity in Parliament­ary Democracie­s” (delegação e responsabi­lização nas democracia­s parlamenta­res, Oxford University Press, 2003).

Sob o presidenci­alismo de coalizão brasileiro a lógica é “parlamenta­rizada”: as maiorias parlamenta­res também tornam-se cúmplices de desmandos dos presidente­s (e os partidos, fracos, não controlam a corrupção de seus membros).

O déficit de controle que decorre dessa estrutura de incentivos engendra amplo protagonis­mo —e sobrecarga— para o Judiciário e o Ministério Público.

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