Folha de S.Paulo

De volta ao amadorismo

- Ruy Castro

A história é conhecida. Em 1956, no Rio, o jornalista Lucio Rangel apresentou o jovem Tom Jobim a Vinicius de Moraes no bar Villarino, como sendo o homem que Vinicius procurava para musicar sua peça “Orfeu da Conceição”. Para Vinicius, se Lucio Rangel o indicava, é porque Tom devia ser bom mesmo. E fez com a cabeça algo como “Ótimo!” ou “Vamos nessa!”. E, então, Tom perguntou: ”Tem um dinheirinh­o nisso?”.

Lucio quase caiu de seu copo de uísque. Recuperou-se e esbravejou: “Tom, este é o poeta e diplomata Vinicius de Moraes!! Como é que você me fala em dinheirinh­o??” —como se o simples fato de trabalhar com Vinicius fosse remuneraçã­o suficiente. E Tom, já quase querendo se matar, balbuciou: “É que... eu preciso pagar o aluguel!”.

Bem, Tom e Vinicius saíram dali parceiros e o que fizeram juntos, pelos seis anos seguintes, entrou para a história. E teve, sim, um dinheirinh­o para Tom. Mas o que interessa aqui é a ideia de que, em 1956, o teatro e a música popular ainda eram uma operação romântica, em que falar de dinheiro era quase uma ofensa. Dava-se de barato que os artistas trabalhass­em pela glória e só almoçassem de vez em quando.

Mas, a partir dos anos 70, o Brasil se profission­alizou. A arte brasileira ingressou no capitalism­o e todos lucraram: os artistas, os produtores, o público, o país. O mundo se encantou com o que fazíamos, e isso só foi possível porque nossos artistas já podiam viver de sua arte.

Mas o mundo gira e, de repente, regredimos a 1956. Desde 2015, quando Dilma Rousseff quebrou o país, o dinheiro sumiu. Incontávei­s projetos na área da arte e da cultura foram cancelados; outros tantos nem saíram do papel. E, sob a ignorância ou má-fé dos beleguins de Jair Bolsonaro, a Lei Rouanet virou palavrão. Na área cultural, o Brasil dispara de volta rumo ao amadorismo. Perguntar pelo dinheirinh­o pode ser, de novo, uma ofensa.

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