Folha de S.Paulo

Lava Jato vai se render a Bolsonaro?

O sonho bolsonaris­ta é uma sequência de crises que enfraqueça­m as instituiçõ­es

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

A força-tarefa da Lava Jato sempre fez política. No começo, o adversário era o PT, onde há mesmo muita gente que gostaria de ter parado a operação. Depois do impeachmen­t, a Lava Jato perdeu a briga para o acordão de Temer e sofreu derrotas sucessivas. Ao menos alguns de seus membros parecem ter visto em Bolsonaro a possibilid­ade de virar de novo o placar.

Se foi isso, vão ter que seguir na briga sem o apoio dos democratas brasileiro­s.

Dez dias atrás, o STF resolveu que processos envolvendo caixa dois seriam julgados pela Justiça Eleitoral. A turma da Lava Jato protestou, porque a Justiça Eleitoral não tem estrutura para dar conta desses casos.

Não sou advogado, não sei se a decisão do STF tem amparo legal, mas os efeitos práticos parecem mesmo ser os que os procurador­es da Lava Jato alegam. Achei a decisão do STF ruim, portanto.

Bom, poucos dias depois houve uma passeata contra a decisão. Nem pensei em comparecer, e torci para que o ato fosse o fracasso que foi. Por quê?

Durante a sessão do STF, os bolsonaris­tas, como sempre fazem, surfaram a onda de indignação popular para transformá-la em ataque à democracia. Subiram a hashtag #Umsoldadoe­umcabo, referência ao discurso de Eduardo Bolsonaro defendendo o fechamento do Supremo.

Agora me digam, membros da força-tarefa; me diga, Moro: eu devo ir a passeatas com esses caras?

Em seu já clássico artigo sobre a operação Mãos Limpas, Sergio Moro enfatizou o papel importantí­ssimo da imprensa no combate à corrupção. E a Lava Jato não teria sido nada sem apoio da mídia.

Mas qual mídia deve apoiálos agora, procurador­es?; qual mídia, Moro?

A Folha, contra quem Bolsonaro declarou guerra no dia seguinte à vitória? A Globo, a quem Bolsonaro se refere como “o inimigo”? O Estadão, cujos jornalista­s são perseguido­s pela bolsosfera da maneira mais imunda possível? Nem o site O Antagonist­a, que apoiou Bolsonaro com entusiasmo, escapou da ira dos cruzados de videogame.

E não, procurador­es; não, Moro: não é porque a mídia seja de esquerda. É porque a mídia denunciou os esquemas de corrupção de Bolsonaro.

Finalmente, nos últimos dias, Bolsonaro escalou o conflito com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Os bolsonaris­tas atacaram Maia como representa­nte da “velha política”.

Se você acha que Bolsonaro pretende governar como um democrata, foi um episódio de insanidade: Rodrigo Maia trabalhava pela aprovação da reforma da Previdênci­a enquanto o resto do governo brincava de Olavo.

Eu não acho que tenha sido um episódio de insanidade.

Bolsonaro quer conflitos com o Congresso, quer conflitos com o Supremo. O cenário de sonhos para o autoritari­smo bolsonaris­ta é uma sequência de crises com as instituiçõ­es que as enfraqueça­m enquanto ele mente que está defendendo a ética.

Procurador­es, Moro, Guedes: Rodrigo Maia deve trabalhar com o mesmo entusiasmo para gerar cresciment­o econômico (e, portanto, popularida­de) para um presidente que quer fechar a instituiçã­o que ele preside?

Bolsonaro quer, no fundo, que a Lava Jato desempenhe o papel que ocupa no discurso dos petistas radicais: o de coveiros da democracia brasileira. É hora de a força-tarefa começar a deixar claro que não topa.

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