Discreta na Assembleia de SP, Valéria Bolsonaro quer escola sem ideologia
“Pela família Bolsonaro, que é a minha família, e por todas as famílias brasileiras, assim eu prometo.” Foi dessa forma que a deputada estadual Valéria Bolsonaro (PSL) fez o juramento de posse na Assembleia Legislativa de São Paulo no último dia 15.
Não, não se trata de mais um candidato que adotou o nome Bolsonaro para se dar bem nas urnas. Como deixou claro na primeira frase que pronunciou no plenário, Valéria é parente sim.
Mas distante: o avô do marido era irmão do avô do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Foi ao se casar, e não na eleição, que Valéria adotou o nome do marido nos documentos. “Eu brinco com as pessoas: aposta em mim que eu sou uma mulher de visão. Há 27 anos eu já sabia que esse nome ia me ajudar”, disse à Folha.
Portanto, o trio de irmãos Bolsonaro não são os únicos parlamentares da família. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), aliás, esteve na posse para prestigiá-la.
Também estiveram juntos em carreatas e santinhos. Durante uma visita ao Hospital da Mulher da Unicamp neste ano, a deputada aproveitou para “bombardeá-lo” com perguntas sobre como se comportar e de quem desconfiar.
“Tenho tomado muito cuidado, porque sou vista como ‘família Bolsonaro’. Existe um peso muito forte. Eu não quero prejudicar ninguém. Sempre tivemos nosso nome limpo e honrado”, afirma.
Diferentemente dos irmãos Bolsonaro e do próprio presidente, Valéria é estreante na política. Tentou em 2016 uma vaga de vereadora em Campinas (SP), mas não foi eleita.
Professora há mais de 20 anos na rede municipal da cidade, Valéria foi localizada pelo PSC de Campinas por causa do sobrenome no Facebook e foi convidada pelo partido a concorrer em 2016.
Foi quando viajou a Brasília com o marido, também funcionário público, para se apresentar a Bolsonaro, então deputado federal de olho na Presidência. Levaram inclusive uma árvore genealógica para comprovar o parentesco.
Na quinta (21), dia do aniversário de Bolsonaro, enviou uma mensagem de parabéns. “Demora uns três meses pra ele olhar o WhatsApp”, afirma.
Na Assembleia, Valéria mantém-se discreta. “Estou me ambientando. A gente está chegando agora, as pessoas ainda têm que conhecer nosso trabalho para confiar”, diz, para justificar a derrota de Janaina Paschoal (PSL) para a presidência da Assembleia.
O PSL tem a maior bancada, com 15 deputados, mas acabou isolado na eleição.
Valéria é uma das poucas entre os novatos que não estreou a tribuna para discursar sobre qualquer assunto. Só usou o microfone em uma sessão para responder a um deputado que criticou o Ministério da Educação.
Formada em biologia, Valéria dava aula de ciências para adolescentes e adultos, além de lecionar na educação infantil. “Na falta de professor, já dei aula de história, geograaqueles fia, português, educação artística.” Decidiu entrar na política para combater a precariedade do ensino público.
“Eu sou alta, sou grande, por isso acho que nunca apanhei em sala de aula. Mas tive alunos me afrontando. Já tive aluno que me mandou para lugares que a ciência desconhece. Já tive meu carro riscado, com vidro quebrado, pneu rasgado. Tive amigas agredidas”, conta.
Vestindo a camisa da educação, Valéria encampou as propostas conservadoras na área, como o Escola sem Partido e a crítica à educação sexual. Teve que ensinar história por três anos e diz ter ficado revoltada com o que viu.
“Os livros criminalizam os militares. Aparece que os militares matavam e torturavam que lutavam pela democracia e isso não é verdade. Não se fala em guerrilheiros.”
A deputada defende ainda uma educação familiar em vez de sexual, argumentando que doenças e métodos anticoncepcionais já são ensinados nas aulas de ciências.
Com uma viagem a Brasília em mente para tratar de educação, Valéria minimiza a turbulência no ministério de Vélez Rodríguez e concorda com o corte de 13,7 mil cargos em universidades públicas.
“Infelizmente, esse boom de universidade que tivemos criou fábricas de militantes. Estou cansada de ver a fortuna que se gasta em pesquisas que não são usadas para absolutamente nada”, diz.
Minoria na política, a deputada abraça a igualdade entre homens e mulheres —mas discute o termo feminismo.
“Feminismo é a mulher que vai atrás dos seus direitos, que quer ganhar a mesma coisa, que luta, que trabalha. Agora, tirar a roupa… Isso é promiscuidade, não é feminismo.”
Valéria afirma que não tem tempo de se vitimizar. Mãe de duas filhas, todos os dias ela vai de Campinas à Assembleia e volta. Na campanha, declarou R$ 17.950 de patrimônio —um carro e um celular.
No gabinete, a deputada mantém um quadro com seu retrato que ganhou do marido (pintado por um artista da feira hippie de Campinas) e um segurança na porta. Durante a entrevista à Folha, recebeu a notícia da prisão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e comemorou: “Ai que delícia!”.
Sobre as suspeitas de corrupção que cercam a própria família, como o caso do ex-assessor Fabrício Queiroz, Valéria prefere não comentar.
“Pergunta pra eles”, desconversa, não sem criticar a imprensa, “que pinta um monstro para detonar”.