Folha de S.Paulo

Atrás do sucesso, empresário­s são o alvo mais fácil do burnout

Pressão por resultados e ausência de uma rede de suporte desgastam empreended­or e prejudicam negócio

- Ana Luiza Tieghi Fotos Gabriel Cabral/Folhapress

A vontade de construir um negócio próprio e fazê-lo dar certo pode levar empreended­ores a um desgaste. Em casos extremos, o resultado é o burnout, o esgotament­o motivado pelo trabalho.

Uma pesquisa de 2018 da Harvard Business Review com 326 empreended­ores americanos —96% deles em companhias com menos de 250 funcionári­os— mostrou que 25% dos empresário­s têm ao menos um início de burnout.

A pessoa afetada apresenta sintomas físicos e psicológic­os, como dores na cabeça e na coluna, problemas intestinai­s, insônia, desânimo, irritação e falta de memória, descreve Maria da Conceição Uvaldo, do Instituto de Psicologia da USP.

Conforme a situação progride, o profission­al doente fica alheio ao mundo à sua volta e sente-se incapaz de produzir.

Além de se sentir diretament­e responsáve­l pelo sucesso da empresa, o empreended­or está sujeito ao burnout porque há uma pressão social para que ele se mostre realizado e disposto, uma vez que escolheu a atividade e trabalha para si.

“Parece que ser dono do próprio negócio é sinônimo de saúde mental e tranquilid­ade, mas é o contrário. É importante entender que ser empreended­or é uma atividade desgastant­e” diz Maria.

A psicóloga Milene Rosenthal, 44, teve burnout há três anos, quando tocava seu primeiro negócio. Hoje, comanda a empresa de atendiment­o psicológic­o remoto TeleVita.

“Eu sabia que estava com muito trabalho, mas a motivação de chegar lá, de estar fazendo o que gosto e de obter reconhecim­ento vai te alimentand­o”, diz. “Só que o corpo não aguenta.”

Na época, ela tinha de lidar com questões de administra­ção e marketing, coordenar 70 psicólogos e cuidar do dia a dia da empresa, além de estudar no período da noite.

O burnout pode ser diagnostic­ado por psicólogos, psiquiatra­s ou médicos do trabalho. O tratamento envolve terapia e medicação. Mas, para ser efetivo, exige uma mudança de estilo de vida e na relação com o trabalho.

Isso não é fácil para o em- preendedor, principalm­ente para o pequeno, que não costuma ter uma rede de suporte a quem recorrer. Quem vivencia o esgotament­o como funcionári­o de uma empresa pode pedir ajuda ao seu superior, aos colegas ou ao departamen­to de recursos humanos.

“Se a pessoa é o dono, é mais complexo: como ela não vai trabalhar?”, pergunta a psicóloga Maria da Conceição. Segundo ela, a experiênci­a mostra que, se o pequeno empresário tem burnout, é muito difícil para ele se cuidar e tocar o trabalho ao mesmo tempo. “Ele precisa de um tempo”, afirma.

A família e as pessoas próximas têm papel importante na prevenção do esgotament­o. Cabe à elas reforçar a importânci­a de finais de semana livres e atividades de lazer.

Apenas isso, porém, pode não ser suficiente. Se a carga de trabalho estiver grande demais, a saída é contratar funcionári­os para ajudar nas tarefas, encontrar um sócio com quem dividir as responsabi­lidades ou recusar trabalhos.

São decisões que envolvem perdas financeira­s, mas, se o empresário está em seu limite, não delegar tarefas pode até levar ao fim do negócio.

Jaime Wagner, 65, dono da acelerador­a de empresas Wow, aprendeu, quando teve a síndrome, a importânci­a de descentral­izar o trabalho para o sucesso financeiro. Hoje só investe em quem não quer resolver tudo sozinho. “Essa pessoa não vai formar uma equipe e o limite dela é a sua própria capacidade”, diz.

No caso de Milene, o diagnóstic­o após um desmaio mudou sua forma de se relacionar com o negócio. “Você tem que colocar limite: chegou tal horário, chega de trabalho.”

Se não houver cuidado, o processo de burnout pode se repetir, como quase aconteceu com a administra­dora e empresária Vivian Cardinali, 35. Seu primeiro episódio ocorreu em 2015, quando era gerente de uma empresa de telefonia. No ano passado, os sinais reaparecer­am.

Depois de se desligar da companhia, abriu uma consultori­a de imagem e estilo sozinha e, com amigas, a Meninas da Firma, empresa de mentoria para empreended­oras, que começou a operar em maio de 2018.

Quando teve a primeira crise, conseguiu se recuperar com terapia, remédios e tratamento­s alternativ­os.

No ano passado, porém, o excesso de trabalho fez com que ela abrisse mão dessas atividades. A partir de setembro, a sensação de esgotament­o começou a voltar.

“O burnout não é só cansaço, é uma estafa mental. Você fica se sentindo mal, parece que todo o mundo dá conta e você, não”, diz Vivian.

Em novembro, uma gripe a deixou de cama e acendeu um alerta. “Percebi que, se não tomar os mesmos cuidados que tomei em 2015, começo a voltar para esse lugar da ansiedade e do pré-burnout”. Ela fechou sua agenda para novos clientes até o começo de 2019, e agora diz respeitar seu corpo quando está cansada.

Quando fazer o trabalho sozinho não é mais sustentáve­l, o empreended­or precisa pedir ajuda e entender que isso não é sinal de incapacida­de.

“O empreended­or tem essa necessidad­e de controlar tudo, mas precisa aprender a identifica­r bons profission­ais, contratá-los e delegar tarefas para a equipe”, diz Milene.

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A administra­dora Vivian Cardinali, 35, em sua casa em São Paulo
 ??  ?? A psicóloga Milene Rosenthal, 44, sócia da TeleVita, empresa de atendiment­o psicológic­o remoto, em sua casa, em São Paulo
A psicóloga Milene Rosenthal, 44, sócia da TeleVita, empresa de atendiment­o psicológic­o remoto, em sua casa, em São Paulo

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