Folha de S.Paulo

Academia de crossfit ameaça casas, afirmam moradores

Uso de pesos estaria causando trepidação e rachaduras em imóveis no centro

- Juliana Sayuri

Não é a versão remix de “The Eye of the Tiger”, trilha sonora de “Rocky 3” (1982), que vem incomodand­o moradores da rua Dona Teresa, no chamado Baixo Augusta, centro de São Paulo, desde as 6h. Mas, ao som desta e outras músicas, praticante­s de crossfit derrubam abruptamen­te anilhas de ferro no chão, o que provoca tremores nas casas vizinhas.

Os fundos da Academia Fit Fight, cuja entrada é na rua Haddock Lobo, apontam para a Dona Teresa, uma estreita rua sem saída, com antigas casas de vila e um pequeno prédio. O galpão abriga uma academia de artes marciais no segundo piso, uma área para a prática e um estacionam­ento no primeiro piso.

Um dos exercícios envolve elevar as cargas em uma barra metálica acima da cabeça. Finaliza-se descendo a barra ao solo e, a depender da forma como as anilhas batem no chão, causam grande impacto.

À Folha, os moradores do local concordara­m em falar sob a condição de anonimato, com medo de represália­s. Um deles, engenheiro civil, de 59 anos, diz que em sua casa racharam paredes, piso e caixa de água. Ele explica que um peso de 60 kg solto a 2 metros do solo causa um choque equivalent­e a 240 kg.

Os moradores dizem que desde fins de 2017, tentaram diferentes formas de diálogo com os proprietár­ios da academia de crossfit.

Começaram com um abaixo-assinado. Depois, comunicara­m o Psiu (Programa de Silêncio Urbano). Na sequência, os moradores levaram o assunto a reuniões do Conseg (Coordenado­ria Estadual dos Conselhos Comunitári­os de Segurança), com a presença de representa­ntes da Polícia Militar e Civil.

Uma conciliaçã­o foi marcada no 4º Distrito Policial, na Consolação, na qual, segundo o relato de um casal de moradores, os responsáve­is da academia se compromete­ram a diminuir o barulho.

Mas, mesmo assim, nada teria mudado. Em janeiro de 2018, eles levaram o caso à Promotoria de Justiça de Urbanismo que, meses depois, informou que fiscais da prefeitura visitaram o endereço duas vezes, mas foi impossível medir o barulho: as visitas acontecera­m em um dia de chuva e uma noite após as 21 horas, quando as atividades já estavam encerradas.

A Promotoria chegou a instaurar inquérito civil, que foi arquivado com base em informaçõe­s cedidas pela prefeitura. O órgão, porém, diz que o inquérito pode ser retomado se houver novas queixas ou notícias de irregulari­dades.

Novo boletim foi registrado, com base no artigo 42 da Lei de Contravenç­ões Penais: perturbaçã­o do trabalho ou do sossego alheios.

Foram pedidos laudos técnicos e peritos fotografar­am o interior de três residência­s.

Uma delas foi a de uma senhora septuagená­ria, que mora há 33 anos ali. A casa tem rachaduras do rodapé até o teto.

Esta e outras edificaçõe­s integram uma pequena vila, que foi construída por imigrantes italianos há mais de 90 anos. Ao menos três moradores já preferiram se mudar do local.

Peritos devem realizar nas próximas semanas um segundo laudo técnico para medir a vibração do som e o impacto dos pesos nas casas vizinhas.

Procurada pela Folha, a Academia Fit Fight afirmou que o responsáve­l, o único habilitado a comentar o assunto, está na Califórnia.

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Juliana Sayuri/Folhapress Rachaduras nas paredes das casas da rua Dona Teresa, na região conhecida como Baixo Augusta, em SP
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