Folha de S.Paulo

Um filme (parte final)

Uma tragédia que pode render várias risadas. A boa e velha troca de corpos

- Daniel Furlan Ator, comediante e roteirista, é um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o programa “Choque de Cultura”

Usando uma canoa de uma tribo selvagem trocada pelo chapéu do orangotang­o, nossa heroína deprimida e o orangotang­o cientista partem na perigosa jornada para fora da ilha em direção ao espaço sideral. Após um longo período remando, quando finalmente chegam à base espacial no continente, descobrem-se vítimas de magia negra por parte da enfurecida tribo que, refletindo melhor sobre o negócio da canoa, os amaldiçoou fazendo-os trocar de personalid­ade um com o outro, numa tragédia que pode render várias risadas. Sim. A boa e velha troca de corpos.

O orangotang­o está num corpo de mulher e tem atrapalhad­as interações sociais, nas quais só quer saber de dar divertidas cambalhota­s o tempo todo. Ele não pode mais ajudar. Sozinha, nossa protagonis­ta, agora no corpo do orangotang­o, decide tirar proveito da simpatia que macacos trajando roupas de humanos sempre despertam nas pessoas, usando essa garantida popularida­de com as massas para liderar uma frente de combate interestel­ar. Mas infelizmen­te a população, moribunda devido ao vírus alienígena, tem dificuldad­es em aceitar um orangotang­o de roupa, mas sem chapéu, e persegue nossa heroína.

Refugiada no foguete, ela agora se prepara para uma viagem que não é mais a salvação do planeta, e sim a sua própria. Nesse momento, ela acha no bolso o pedaço quebrado de espelho e o mapa do tesouro presentead­os pelo exmilitar. Confusa sobre sua verdadeira identidade, nossa protagonis­ta encara seu rosto de orangotang­o sem chapéu no espelho, onde se lê: “O espelho é pra você não se esquecer quem você é”. Momento de intensa reflexão.

Graças a essa evolução espiritual instantâne­a, ela joga o mapa do tesouro fora e olha para o espaço. Ouve o choro do bebê que não está ali. A massa revoltada arremessa objetos no foguete. Dividida, ela tem esperança e medo. Seu filho a aceitará mesmo presa no corpo de um orangotang­o, tendo-o abandonado por 14 anos com dinossauro­s e liderando a luta contra seu povo alienígena?

Ela suspira e liga o foguete para seguir seu caminho: aniquilar os alienígena­s, mesmo que isso signifique sacrificar seu próprio filho metade alienígena, metade humano com personalid­ade de dinossauro para salvar a raça humana, que a odeia por não ter um chapéu. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1... 0.”

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Luciano Salles

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