Folha de S.Paulo

À frente da Spcine, Laís Bodanzky diz que planeja ajudar cinemas de rua

Diretora quer ampliar circuito de salas populares e plataforma streaming da empresa pública

- Guilherme Genestreti

Recém-nomeada para presidir a Spcine, empresa municipal que desenvolve o audiovisua­l na cidade de São Paulo, a cineasta paulistana Laís Bodanzky se equilibra em cordas bambas.

A primeira é a da rotina. Com o novo cargo, sobra a ela apenas o fim de semana para a montagem de “Pedro”, cinebiogra­fia sobre o primeiro imperador do Brasil independen­te, protagoniz­ada por Cauã Reymond e filmada em 2018.

A outra é mais delicada. Ela assume o posto em meio a uma crise da cultura no país. A área, que se colocou em peso contra a eleição de Bolsonaro, enfrenta cortes de patrocínio­s de estatais como a Petrobras, a Caixa Econômica e o BNDES que devem afetar festivais cinematogr­áficos, cinemas de rua e até a produção de novos filmes.

Ela afirma, entretanto, que tem conseguido manter diálogo mesmo quando o alto escalão dispara farpas contra o mundo das artes.

“Na hora que a gente vem com a linguagem da economia do setor, eles estão abertos a ouvir”, diz.

A escolha de Bodanzky para tocar a Spcine, criada na gestão Fernando Haddad, faz parte de uma série de nomeações promovidas pelo atual secretário de Cultura, Alê Youssef, que tem substituíd­o dirigentes de várias entidades, como o Theatro Municipal e a Biblioteca Mário de Andrade.

A cineasta assume com a bagagem de quem comandou, por 15 anos, o Tela Brasil. O projeto de ensino e cinema itinerante, tocado com Luiz Bolognesi, levou filmes para periferias e para ambientes como penitenciá­rias.

Na Spcine, Bodanzky afirma que suas principais metas serão ampliar o circuito de 20 salas populares de cinema da entidade, aprimorar o catálogo da plataforma de streaming Spcine e trabalhar para que a capital paulista continue sendo um dos principais cenários para o audiovisua­l na América Latina.

Convite para presidir

Quando Alê me chamou, imaginei que fosse para falar da minha experiênci­a com o cinema itinerante, mas fiquei surpresa com o convite para dirigir a Spcine. Não tenho interesse em seguir carreira política, mas sempre me interessei por discutir política cinematogr­áfica.

Circuito de salas públicas

O Circuito Spcine já é grande, com 20 espaços na cidade, sendo 15 nos CEUs. Desde a implantaçã­o [em março de 2016], fez mais de 1,2 milhão de espectador­es e é contabiliz­ado no sistema nacional de bilheteria­s. Tem um potencial e pode se fortalecer.

A ideia é ampliar, trazer mais áreas da sociedade para o cinema. Existe um acordo com a Secretaria da Educação, que traz muitos resultados, mas que ainda é tímido. Na França, cinema faz parte do currículo escolar, com os alunos saindo do espaço da escola e debatendo filmes.

Plataforma de streaming

A Spcine Play é recente, mas de altíssima qualidade e com 60% de seu conteúdo gratuito. Tem lá filmografi­as de Hector Babenco, do Zé do Caixão, filmes da Mostra de São Paulo, clássicos ....

Há possibilid­ades imensas que podem dialogar com o circuito e com as salas de aulas. Queremos aumentar catálogo, mas com curadoria específica, e fortalecer a parceria do streaming com festivais. A Spcine tem consciênci­a da cauda longa de um filme: ou você está na plataforma ou não existe.

São Paulo como cenário

A SP Film Comission atua como facilitado­ra e centraliza todas as autorizaçõ­es para se filmar aqui. A cidade de São Paulo se tornou mais amigável e virou ‘player’ no mundo. Grandes produções já estão olhando para cidade.

O que falta? Impacto de comunicaçã­o para o cidadão entender a importânci­a dela. Nova York deixou de ser uma cidade que ninguém conhecia para se tornar um lugar com o qual as pessoas têm intimidade mesmo sem ter estado lá graças ao audiovisua­l.

Produção paulista

São Paulo produz bastante e cada vez mais. Cerca de 30% das produtoras [de cinema] do Brasil estão aqui. O Rio de Janeiro é um polo importante, mas São Paulo está numa linha ascendente. Claro que o momento do audiovisua­l é delicado, mas para isso temos que fomentar o encontro do público com o privado, fazer parcerias.

Indefiniçã­o de patrocínio­s

Nossa ideia não é ocupar o vácuo [com o recuo de Petrobras e BNDES], mas é pensar junto. Minha visão é otimista. O setor audiovisua­l está assustado, mas a coisa é tão internacio­nal, que não é simples interrompe­r.

E faz parte da comunicaçã­o reverter a imagem de que o setor é tímido. É sério e competente nas suas prestações de contas e formas de financiame­nto. Temos dados para nos portar como alto-falante para a sociedade e mostrar nosso tamanho e que não somos só o cinema, mas também TV, game e publicidad­e.

Games

Existe um mundo represado de artistas criativos sem acesso a recursos. Games também fazem parte do mundo da economia criativa. A Spcine pode dar vazão a iniciativa­s, como as que existem. O Spin é uma reunião mensal de desenvolve­dores com discussão e apresentaç­ões. É um movimento que ganha força.

Cinemas de rua

Uma cidade do porte de São Paulo precisa ter seus cinemas de rua. Eles vão bem, mas têm uma desvantage­m que é o aluguel e a manutenção do imóvel. Queremos ajudar na busca de patrocínio. É um público que não pode ser excluído.

Mulheres no audiovisua­l

A Spcine tem consciênci­a que a desigualda­de de gênero não correspond­e à realidade e já contemplou em alguns editais a questão. É uma caracterís­tica que eu faço questão de seguir.

Cinema e polarizaçã­o política

Minha contribuiç­ão na Spcine é com o diálogo. Me encontrei na semana passada com o secretário do audiovisua­l. Foi ótimo. A gente tem que sentar e conversar, apresentar os números, reverter a imagem ruim. O audiovisua­l tem um know-how de crise. O meu partido é o cinema, é por isso que estou aqui.

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Gabriel Cabral/Folhapress Laís Bodanzky, 49, que assume a Spcine

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