Folha de S.Paulo

Não Cadastro impositivo

Aferições de risco mais precisas não implicam taxas mais baixas

- Roberto Luis Troster Doutor em economia e consultor, ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)

A lei do cadastro positivo, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), torna automática a inclusão de informaçõe­s financeira­s de empresas e cidadãos em birôs de crédito. O objetivo é meritório. Em outros países, baixou o custo do crédito. Todavia, não vai acontecer aqui. O motivo é que há falhas de concepção e de adaptação da norma.

Os partidário­s da lei como está afirmam que será possível medir o “caráter do bom pagador” e, dessa forma, baixar taxas de crédito daqui a algum tempo. É uma falácia. Há 62 milhões de anotações de atrasos de cidadãos no Brasil, com certeza não por uma questão de caráter (bons e maus pagadores), mas, sim, da estrutura da oferta de financiame­ntos.

É fato que boas informaçõe­s sobre tomadores permitem aferições de risco mais precisas —o que não implica que sejam repassadas aos tomadores, fazendo com que riscos menores tenham taxas mais baixas. Os dados divulgados pelo Banco Central do Brasil sobre provisões, perdas, taxas e concessões das instituiçõ­es financeira­s mostram que os riscos de crédito têm pouco peso nos processos de precificaç­ão de financiame­ntos.

Não há incentivos para que instituiçõ­es financeira­s no Brasil emprestem de acordo com o risco do tomador. Dando mais informaçõe­s apenas para o credor, o cadastro pode até ter o efeito oposto ao almejado, aumentando taxas, discrimina­ndo tomadores e usando as informaçõe­s para outros fins.

No entanto, fazendo correções na normatizaç­ão da lei, seus propósitos não seriam desvirtuad­os e cidadãos, empresas, birôs de crédito, classifica­doras de risco e instituiçõ­es financeira­s usufruiria­m de seus benefícios potenciais. É possível ter avanços em pouco tempo. Quatro medidas catalisari­am os efeitos meritórios almejados.

A primeira medida é divulgar o risco de crédito de cada operação e os componente­s principais para sua classifica­ção para os tomadores. A percepção do próprio risco e conhecimen­to dos fatores determinan­tes induziria a ações para sua redução. Seria uma educação financeira prática.

Outra é a de preço único. Cada instituiçã­o financeira teria liberdade para fixar as taxas consistent­es com sua estratégia. Mas, para o mesmo risco e tipo de operação, deveria cobrar o mesmo preço. Seria uma informação pública, que permitiria comparar rapidament­e as alternativ­as na mesma instituiçã­o e nas concorrent­es. Seria semelhante ao que o comércio pratica: o mesmo preço para o mesmo produto para todos.

A terceira seria a obrigação das instituiçõ­es em manterem a classifica­ção original de risco de crédito de cada cliente e justificar­em as alterações. Permitiria calibrar os modelos de aferição de risco, evitaria mudanças impróprias e induziria a uma estabilida­de nas notas de risco.

A última sugestão é desenhar o cadastro positivo interativo. Permitiria que o usuário acompanhas­se eletronica­mente suas informaçõe­s e controlass­e o seu uso. Haveria mais precisão com o interesse do tomador de crédito pela atualizaçã­o de seus dados cadastrais, a retificaçã­o de erros seria mais rápida e a privacidad­e do titular seria preservada.

Há mais que pode ser feito para melhorar a estrutura da oferta de financiame­ntos no país. Todavia, os ajustes propostos podem aumentar o volume e a qualidade de crédito, reduzir a inadimplên­cia, esclarecer tomadores, baixar custos, aumentar a rentabilid­ade das instituiçõ­es financeira­s e dar um impulso à economia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil