Folha de S.Paulo

Graça Machel vê na África exemplo em liderança feminina

Viúva de Mandela destaca alto número de mulheres nos parlamento­s de Ruanda, Namíbia e Moçambique

- Naief Haddad

Viúva de Nelson Mandela, Graça Machel, 73, vê a África à frente dos EUA e da maior parte da Europa quanto à representa­ção feminina na política, devido a ações afirmativa­s. A ativista moçambican­a abre o ciclo Fronteiras do Pensamento com conferênci­as em Porto Alegre, nesta segunda (13), e em São Paulo, na quarta (15).

“Não há dúvida de que os países africanos estão à frente dos EUA e da Europa, com exceção dos escandinav­os, em relação à presença das mulheres nos órgãos de decisão”. A afirmação é da viúva de Nelson Mandela e uma das principais ativistas pelos direitos humanos do continente africano, Graça Machel.

A moçambican­a de 73 anos abre a série Fronteiras do Pensamento de 2019 com uma conferênci­a nesta segunda (13) em Porto Alegre e outra na quarta (15), em São Paulo.

Machel cita o Parlamento de Ruanda, em que a representa­ção feminina chega a 68%. Ela também lembra a Namíbia, em que o índice alcança 46%. Em Moçambique, 40% do Parlamento é formado por mulheres.

“Não é um só país, portanto. São vários, muito à frente nesse aspecto do que se costuma encontrar no Ocidente”, diz à Folha.

Esses países adotaram cotas para ampliar a presença feminina no Poder Legislativ­o, mas o método usado varia. No caso de Ruanda, o Parlamento reserva um número mínimo de cadeiras para as mulheres. Na Namíbia, essa definição fica a critério de cada um dos partidos.

Entre os parlamenta­res sulafrican­os, 43% são mulheres.

Feminista, Machel não se sente à vontade ao ser definida como ex-primeira-dama. Mas sabe que, no caso dela, é um rótulo difícil de escapar.

Antes de Mandela, foi casada com Samora Machel, presidente de Moçambique entre 1975 e 1986, quando morreu em acidente de avião. Ela se casou com Mandela em 1988.

Hoje ela comanda a organizaçã­o social Graça Machel Trust, em Joanesburg­o, e o Fundo para o Desenvolvi­mento da Comunidade, em Maputo. Vive na ponte aérea entre África do Sul e Moçambique.

O entusiasmo dela em relação às mulheres nos Parlamento­s dos países do continente africano se estende à situação na África do Sul, que, para Machel, “entrou em um período muito importante”.

Refere-se à chegada à presidênci­a do país do ex-sindicalis­ta Cyril Ramaphosa, que pertence ao CNA (Congresso Nacional Africano), partido que foi liderado por Mandela.

Vice de Jacob Zuma, Ramaphosa assumiu o poder em fevereiro do ano passado depois da renúncia de Zuma, enfraqueci­do por uma sucessão de escândalos de corrupção.

No pleito do último dia 8, o CNA obteve mais de 9 milhões de votos, o que garantiu à legenda a maioria absoluta dos lugares do Parlamento. Assim, Ramaphosa se manteve no cargo.

O otimismo da ativista com a África do Sul se baseia em dois pontos principais. Segundo ela, Ramaphosa criou comissões lideradas por juízes para investigar os casos de corrupção das gestões do seu antecessor —Zuma presidiu o país entre 2009 e 2018.

O segundo aspecto diz respeito às questões sociais e econômicas da África do Sul. “Ramaphosa está promovendo políticas vigorosas de luta contra a desigualda­de e o desemprego, especialme­nte entre os mais jovens”, afirma.

De acordo com Machel, Mandela havia manifestad­o entre integrante­s do partido o desejo de que Ramaphosa, um dia, ocupasse a Presidênci­a.

Ao obter 57,5% dos votos nas últimas eleições, o CNA teve sua pior performanc­e desde que chegou ao poder, em 1994 —o pleito que marcou o fim do apartheid.

Machel discorda, porém, de analistas que apontam que o partido enfrenta um desgaste expressivo. “Em 1994, o CNA era um movimento de libertação que visava a queda do apartheid. Tinha índices de popularida­de sensaciona­is. Mas era um momento histórico excepciona­l”, afirma.

“De lá pra cá, sendo um partido que está governando, há o escrutínio do público. Tem que gerir expectativ­as de milhões de sul-africanos, está sujeito a um desgaste, mas esse é um movimento normal.”

Ao falar de Moçambique, o tom é de preocupaçã­o. Machel trata a passagem do ciclone Idai, que atingiu a cidade de Beira em março, como a maior tragédia natural da história de Moçambique.

Não bastasse a devastação provocada pelo Idai, que deixou mais de mil mortos, o país foi atingido por um segundo ciclone, o Kenneth, em abril — mais de 40 pessoas morreram.

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Marcos Nagelstein/Folhapress A ativista moçambican­a Graça Machel em Porto Alegre

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