Folha de S.Paulo

Dinheiro teve peso menor na eleição para Câmara em 2018

Pesquisa aponta que eleitos para a Câmara em 2018 concentrar­am menos recursos na disputa que os vitoriosos de anos anteriores

- Flávia Faria

Estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas aponta que o dinheiro foi menos decisivo para a eleição de deputados federais em 2018, quando, pela primeira vez, caiu a concentraç­ão de recursos por quem venceu.

De 2002 a 2014, eleitos respondera­m por uma média de 62% de tudo o que foi gasto na campanha. Em 2018, foram 44%. A explicação central é a nova regra de financiame­nto, que vetou doação empresaria­l.

Em 2018, os gastos com a campanha eleitoral foram menos decisivos para a eleição de deputados federais que em pleitos anteriores. A conclusão é de estudo inédito da Fundação Getulio Vargas (FGV) em parceria com a Fundação Brava. A pesquisa analisou despesas e arrecadaçõ­es nas disputas para a Câmara desde 2002.

O último pleito foi o primeiro em que se observou queda na concentraç­ão de recursos pelos que conquistar­am o cargo. De 2002 a 2014, os deputados federais eleitos respondera­m por uma média de 62% de tudo o que foi gasto na campanha à Casa. Em 2018, esse percentual caiu para 44%.

Ainda foi reduzida pela metade a disparidad­e entre os gastos de homens e mulheres, consideran­do todos os candidatos. Em 2014, os homens gastaram R$ 1,2 bilhão a mais. No ano passado, a diferença ficou em cerca de R$ 550 milhões.

A desigualda­de de gastos entre candidatos brancos, negros e pardos também caiu.

A principal explicação para o fenômeno são as novas regras para financiame­nto de campanhas. Com a proibição de doações por empresas, o poder de arrecadaçã­o dos candidatos à Câmara caiu.

Os mais afetados foram aqueles que costumavam ser os grandes beneficiad­os pelas doações empresaria­is: candidatos veteranos, homens, brancos, com ensino superior e, em geral, de estados considerad­os de maior peso no cenário político nacional.

“Quem foi o grande perdedor? O candidato à reeleição que tinha acesso a recurso empresaria­l. Isso favoreceu os outsiders. Você tira a arma dele [o veterano], que era o acesso ao recurso”, diz o professor da FGV e coordenado­r do estudo, George Avelino.

A legislatur­a atual tem o menor percentual de reeleitos desde 1998 (48,9%). Também tem a maior representa­tividade feminina já registrada, com 77 deputadas —em 2014, foram 53 eleitas, entre os 513 parlamenta­res da Casa. Diferentem­ente do que ocorreu com os homens, o gasto das candidatas durante a campanha teve leve alta.

Principal fonte de recursos, o Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha (ou fundo eleitoral) colocou R$ 1,7 bilhão de dinheiro público nas campanhas de 2018. Os partidos tinham autonomia para determinar as regras de distribuiç­ão, desde que reservasse­m mínimo de 30% para candidatur­as de mulheres.

Também puderam ser usadas nas eleições verbas oriundas do fundo partidário, dinheiro público que serve para subsidiar o funcioname­nto das legendas. Em 2018, foram repassados cerca de R$ 889 milhões, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Para efeito de comparação, as eleições 2014 arrecadara­m, só em doações de empresas, R$ 3,44 bilhões (consideran­do todos os cargos em disputa).

“Claro que isso [redução dos recursos dos homens] aumentou a chance das mulheres. Houve um efeito de aumentar a competitiv­idade. Se os eleitos estão concentran­do menos recursos, o dinheiro não está sendo tão importante para elegê-los“, diz Avelino.

O professor afirma, porém, que o dinheiro não deixou de ter relevância. Enquanto os eleitos em 2014 gastaram, em média, R$ 1,7 milhão, em 2018 esse valor foi de aproximada­mente R$ 1,1 milhão.

Além disso, eleitos e competitiv­os (aqueles que obtiveram pelo menos 75% dos votos do último eleito em suas respectiva­s listas partidária­s) são responsáve­is por 58% dos gastos na campanha —em 2014, o percentual era de 73%.

Em resumo, houve queda na concentraç­ão de recursos, mas o cenário ainda não é, diz Avelino, o ideal. “O dinheiro teve menos importânci­a nessas eleições, mas ainda é muito importante. A gente conseguiu melhorar razoavelme­nte a competitiv­idade, mas não estamos no paraíso.”

Outro efeito curioso das novas regras de financiame­nto foi observado em estados mais periférico­s e pobres, que costumavam ser preteridos nas doações empresaria­is.

Ainda que o panorama geral indique menos recursos disponívei­s, 13 estados tiveram algum aumento nos gastos em relação a 2014 —candidatos de Sergipe, Amapá, Roraima e Acre aumentaram as despesas em mais de 50%.

“O dinheiro privado não ia para lá, ficava nos estados mais centrais, que é onde está o grosso do eleitorado. Não tem interesse privado ali. Os estados são pobres, o governador não tem recursos, normalment­e não era um bom investimen­to [para as empresas]”, explica Avelino.

O mesmo aconteceu com partidos menores, que, por não terem tanto poder de influencia­r decisões do governo, costumavam receber pouco dos empresário­s.

Ainda que as regras de distribuiç­ão do fundo partidário levem em conta o número de congressis­tas de cada legenda, para os partidos pequenos a diminuta fatia do fundo reservada a eles permitiu mais que dobrar os gastos na comparação com 2014. É o caso de Podemos, PCB e PRB. PSOL e PSL também tiveram incremento de mais de 50% nas despesas para a Câmara.

Embora o aumento das verbas disponívei­s não seja a única explicação para o resultado do pleito de 2018, essas legendas tiveram cresciment­o consideráv­el no número de deputados eleitos —à exceção do PCB, que não elegeu ninguém.

“Quando você distribui, um pouquinho que os partidos pequenos ganham a mais já faz diferença. Se o dinheiro traz voto, quem tem vai levar muita vantagem sobre quem não tem”, completa Avelino.

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