Folha de S.Paulo

O Olavo é o Jair

O olavismo é o substituto para o partido autoritári­o que falta ao bolsonaris­mo

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

O prestígio de Olavo de Carvalho junto a Jair Bolsonaro, mesmo diante do caos que os olavistas instaurara­m no governo, é um mistério absoluto para quem imagina que Bolsonaro está tentando fazer um governo normal. Mas já passou da hora de abandonar essa premissa.

Jair Bolsonaro não tem nada para fazer em um governo normal. Não entende de nenhum assunto, não sabe fazer articulaçã­o política, nunca demonstrou interesse em um único problema brasileiro.

Seu interesse ao ganhar a Presidênci­a era repetir o roteiro que os novos autoritári­os vêm seguindo na Hungria, na Polônia, na Turquia, e, sim, na Venezuela: destruir as instituiçõ­es da liberdade pouco a pouco, de linchament­o em linchament­o, de fraude em fraude, tudo isso embrulhado na indignação pós-Lava Jato que soa tão mal na boca de um filho do centrão como Bolsonaro.

Se não o deixarem destruir a democracia, o Jair, repito, não tem nada para fazer.

Os militares têm. Como bem disse Demétrio Magnoli na Folha de sábado (11), os militares queriam fazer parte de um governo normal.

Mas como bem disse Reinaldo Azevedo na Folha de sextafeira (10), dos militares Bolsonaro só quis a honorabili­dade, não as opiniões.

É errado dizer que Olavo de Carvalho ofende os militares a despeito de Bolsonaro. Jair Bolsonaro apoia Olavo exatamente porque ele ofende e desmoraliz­a os militares, assim como ofende e desmoraliz­a qualquer um que pretenda manter Bolsonaro dentro dos limites da normalidad­e institucio­nal.

Depois de 30 anos, Bolsonaro aprendeu a terceiriza­r a colocação de bomba em quartel.

A propósito, é bom deixar claro que não é a filosofia de Olavo que interessa ao presidente da República ou a seus filhos. A influência dos livros filosófico­s de Olavo sobre o bolsonaris­mo é nula.

Ninguém ali está interessad­o no que Olavo tem a dizer sobre o tradiciona­lismo de René Guénon. Se for para escolher um pensador tradiciona­lista, o bolsonaris­mo está muito mais para Julius Evola, próximo do fascismo e da SS, de quem Steve Bannon é admirador confesso. Em termos de ideias, Olavo importa mais como divulgador da direita radical americana do que por seu próprio pensamento.

O olavismo para Bolsonaro é uma máquina de populismo virtual, um substituto para o partido autoritári­o que falta ao bolsonaris­mo.

Na falta de um equivalent­e brasileiro da União Cívica Húngara (Fidesz) ou do polonês Lei e Justiça (Prawo i Sprawiedli­wość), o bolsonaris­mo sustenta sua mobilizaçã­o anti-institucio­nal com a militância olavista.

Mas não tenham dúvida de que a ideia é formar um partido. Eduardo Bolsonaro quer construir uma nova legenda “puro-sangue”, 100% radical, diferente do acampament­o do baixo clero que é o PSL. O núcleo inicial do partido seriam os olavistas.

Resta pouca dúvida: Jair Bolsonaro, seus filhos e os olavistas têm um projeto de populismo autoritári­o. O governo não funciona como governo normal porque não é esse o projeto.

Mas cresce a impressão de que o bolsonaris­mo deu um passo maior que a perna quando brigou com os militares. Confiaram demais na capacidade de suas redes virtuais mobilizare­m gente na rua. As duas últimas manifestaç­ões que convocaram fracassara­m.

E se o bolsonaris­mo não tiver apoio dos militares, não vai ter aliado com medo de exigir nem adversário com medo de bater.

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