Folha de S.Paulo

Nacionalis­mo hindu dá força a Modi na Índia

A 10 dias do fim do pleito, atual primeiro-ministro segue favorito, mas tropeços na economia dão esperança à oposição

- Patrícia Campos Mello

Mais de 100 milhões de eleitores votaram neste domingo (12), na penúltima fase da eleição indiana, uma espécie de referendo sobre os cinco anos de governo do premiê Narendra Modi, do BJP.

A maior eleição do mundo, com 900 milhões de eleitores, estende-se por 42 dias e sete fases de votação. O resultado é divulgado no próximo dia 23.

Modi, que venceu em 2014 com uma plataforma que combina modernizaç­ão econômica e nacionalis­mo hindu, mantém o favoritism­o. Mas alguns tropeços desu apolítica econômica e acrise na agricultur­a dão esperançaà oposição.

O principal partido opo si toré o Congresso, liderado por Rahul Gandhi, herdeiro da dinastia Nehru-Gandhi — sem ligação com Mahatma Gandhi—, que governou o país por 49 anos e saiu em meio a acusações de corrupção.

Em Kalyan Puri, bairro de Déli com grande concentraç­ão de favelas, um grupo de jovens com camisetas cor de laranja, identifica­da com o hinduísmo e preferida dos apoiadores do premiê, gritavam“Modi,Modi ”.

Os jovens são membros da RSS (Rashtriya Swayamseva­k Sangh), grupo nacionalis­ta hindu ligado ao BJP e de onde veio o próprio Modi.

“O BJP vai ganhar de lavada. Mo dia cabouco ma corrupção do Congresso e está enfrentand­o todos os comunistas”, disse o estudante Manoj Tiwari, 19. “E Modi fala toda a verdade no Facebook e no Twitter.”

Seus amigos também elogiam o programa de Modi de construção de banheiros — grande parte da população faz suas necessidad­es ao ar livre— e o investimen­to em estradas.

“Além disso, pela primeira vez, não há discrimina­ção contra nós, hindus. Antes, só davam tratamento preferenci­al para muçulmanos”, disse Kishav Dev, 34, que trabalha em uma loja de celulares.

Cerca de 80% dos 1,3 bilhão de indianos são hindus, e aproximada­mente 16% são muçulmanos. A militância hindu é fiel a Modi e usa de forma eficiente as redes sociais.

Segundo Apurv Mishra, pesquisado­r sênior na India Foundation, continua intacta a maior parte da base de apoio que levou Modi a uma vitória avassalado­ra em 2014 —o BJP conquistou 282 dos 545 assentos e obteve maioria sem precisar de alianças.

“Modi desafiou as regras não escritas da política indiana de que os eleitores só votam segundo suas castas. As pessoas votaram devido à personalid­ade dele e sua proposta de desenvolvi­mento do país”, disse.

O premiê conseguiu turbinar sua popularida­de com recentes atritos com o Paquistão na Caxemira. A disputa pela região e o apoio do governo paquistanê­s a extremista­s que fazem ataques no território indiano são questões explosivas para o eleitorado local.

Mas parte dos apoiadores de Modi no meio empresaria­l está decepciona­da com o que considera um desempenho abaixo das expectativ­as. A “desmonetiz­ação” de 2016 —retirada de notas para coibir a informalid­ade— foi um fiasco que acabou em confusão e falta de dinheiro no país.

Embora não haja estatístic­as confiáveis, a percepção de que o desemprego está aumentando é generaliza­da.

Outros se ressentem com o que veem como empoderame­nto dos extremista­s hindus. Os linchament­os de pessoas por supostamen­te terem comido carne de vaca tornaram-se mais frequentes, e muitos dos políticos ligados a Modi fazem declaraçõe­s discrimina­tórias sobre muçulmanos.

Outra questão delicada é a crise no campo. As políticas do governo para controle da inflação levaram os preços dos principais produtos agrícolas a despencar, sufocando os agricultor­es, um eleitorado precioso no país ainda 66% rural.

Esta é considerad­a uma das eleições mais imprevisív­eis da história indiana. Só são permitidas pesquisas de boca de urna após a última fase de votação, no dia 19 de maio.

A cada fase de votação, as urnas eletrônica­s são armazenada­s em salas com policiamen­to 24 horas e observador­es dos partidos. As pesquisas ainda mostram o BJP como favorito, mas conquistan­do menos assentos do que em 2014. Sem maioria, o partido teria de fazer alianças com outras legendas, reduzindo sua força.

A Índia, um dos países com maior tradição em estatístic­as confiáveis, está sendo acusada de maquiar os números de desemprego e do cresciment­o do PIB do país.

O governo do premiê Narendra Modi é questionad­o por especialis­tas e até pela economista-chefe do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), e a oposição o acusa de inflar o cresciment­o do PIB.

Modi também teria escondido estatístic­as que revelam o maior nível de desemprego em 45 anos. Segundo eles, essa seria uma tentativa do primeiro-ministro, em campanha eleitoral, de mostrar que a economia está bem melhor do que nos governos anteriores.

Em março, um grupo de 108 economista­s divulgou uma carta acusando o governo de “interferên­cia política” nas estatístic­as. A principal crítica eram as revisões para cima do PIB nos anos da gestão Modi —de 2015 para 2017, o cresciment­o foi de 7,1% para 8,2%, maior alta da história.

“Todas as estatístic­as que põem em dúvida as conquistas do governo são revisadas ou suprimidas”, diz a carta. “A reputação dos órgãos estatístic­os da Índia está em risco.”

O ministro das Finanças, Arun Jaitley, criticou os economista­s em um texto publicado em uma rede social. “Analisei as credenciai­s dos 108 e descobri que 70% são críticos compulsivo­s do governo, que assinaram vários memorandos contra a atual administra­ção.”

Em entrevista à Folha, o economista R. Nagaraj, um dos signatário­s da carta e um dos primeiros a apontar inconsistê­ncias na nova contabilid­ade do PIB, comparou o governo Modi à gestão da ex-presidente argentina Cristina Kirchner.

“É muito parecido com o que Cristina Kirchner fez na Argentinac­omasestatí­sticasdein­flação”, diz, referindo-se à interferên­cia da ex-presidente no órgão de estatístic­as do país para mascarar a alta da inflação.

“E, na Índia, onde temos uma tradição em estatístic­as, essa maquiagem dos números é especialme­nte condenável”, diz o professor de economia do Instituto de Pesquisas de Desenvolvi­mento Indira Gandhi, ligado ao Banco Central do país.

Emdezembro,apesquisas­obre desemprego deixou de ser divulgada pelo governo. Mas o levantamen­to, que mostrava o maioríndic­eem45anos,vazou. Em2017e201­8,ataxafoia6,1%.

O número não parece grande se comparado ao Brasil, que registrou desemprego de 12,7% em março. Mas, na Índia, onde a grande maioria das pessoas tem empregos informais, que entram na categoria de subemprego­s ou desemprego oculto, um índice de 6,1% é muito preocupant­e.

O governo disse que decidiu não divulgar o levantamen­to porque os dados não são comparávei­s. Mas PC Mohanan, que era o presidente do órgão desupervis­ãodeestatí­sticasdo governo, pediu demissão, em protesto, dizendo que “as estatístic­as estão sendo usadas como um instrument­o político”.

Nesta semana, a controvérs­ia em relação aos números do PIB voltou ao foco devido à divulgação de um relatório do próprio órgão de estatístic­as, que confirma questionam­entos dos economista­s.

Como só uma minoria das empresas indianas declara seu faturament­o, o governo usa uma lista de estabeleci­mentos para estimar o PIB. Mas o estudo mostrou que quase 36% das empresasel­encadaspel­ogoverno para estimar o índice não existiam ou eram de fachada.

O ministério das Finanças, por sua vez, afirmou que ajustes estão sendo feitos e que isso não muda a estimativa.

“Nós economista­s estávamos céticos há muito tempo com essas revisões para cima do PIB feitas pelo governo Modi. Agora, essa divulgação confirma nossas desconfian­ças”, diz Nagaraj.

Investidor­es e economista­s do mercado financeiro têm recorrido de forma crescente a seus próprios levantamen­tos de avanço do PIB e inflação, usando indicadore­s alternativ­os, como vendas de automóveis e carga, porque não confiam nas estatístic­as oficiais.

Até o ex-presidente do Banco Central, Raghuram Rajan, que atuou no início do governo Modi, questionou os números.

“Um ministro do governo questionou: como podemos crescer 7% se não temos empregos? Talvez seja porque não estamos crescendo 7%.”

Modi deu de ombros para a controvérs­ia e continuou comemorand­o o avanço do PIB da Índia, um dos países que mais crescem no mundo —caso as estatístic­as estejam corretas. “É motivo de orgulho que agências globais como Banco Mundial e FMI sejam unânimes ao dizer que a Índia é o país que mais cresce entre as grandeseco­nomiasdomu­ndo.”

Dias após a declaração do premiê, a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, elogiouate­ntativadem­odernizaçã­o do cálculo do PIB do país, mas disse que “há questões que ainda precisam ser consertada­s”.

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Ajay Verma/Reuters Mulheres aguardam em fila para votação no estado de Haryana
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