Nacionalismo hindu dá força a Modi na Índia
A 10 dias do fim do pleito, atual primeiro-ministro segue favorito, mas tropeços na economia dão esperança à oposição
Mais de 100 milhões de eleitores votaram neste domingo (12), na penúltima fase da eleição indiana, uma espécie de referendo sobre os cinco anos de governo do premiê Narendra Modi, do BJP.
A maior eleição do mundo, com 900 milhões de eleitores, estende-se por 42 dias e sete fases de votação. O resultado é divulgado no próximo dia 23.
Modi, que venceu em 2014 com uma plataforma que combina modernização econômica e nacionalismo hindu, mantém o favoritismo. Mas alguns tropeços desu apolítica econômica e acrise na agricultura dão esperançaà oposição.
O principal partido opo si toré o Congresso, liderado por Rahul Gandhi, herdeiro da dinastia Nehru-Gandhi — sem ligação com Mahatma Gandhi—, que governou o país por 49 anos e saiu em meio a acusações de corrupção.
Em Kalyan Puri, bairro de Déli com grande concentração de favelas, um grupo de jovens com camisetas cor de laranja, identificada com o hinduísmo e preferida dos apoiadores do premiê, gritavam“Modi,Modi ”.
Os jovens são membros da RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh), grupo nacionalista hindu ligado ao BJP e de onde veio o próprio Modi.
“O BJP vai ganhar de lavada. Mo dia cabouco ma corrupção do Congresso e está enfrentando todos os comunistas”, disse o estudante Manoj Tiwari, 19. “E Modi fala toda a verdade no Facebook e no Twitter.”
Seus amigos também elogiam o programa de Modi de construção de banheiros — grande parte da população faz suas necessidades ao ar livre— e o investimento em estradas.
“Além disso, pela primeira vez, não há discriminação contra nós, hindus. Antes, só davam tratamento preferencial para muçulmanos”, disse Kishav Dev, 34, que trabalha em uma loja de celulares.
Cerca de 80% dos 1,3 bilhão de indianos são hindus, e aproximadamente 16% são muçulmanos. A militância hindu é fiel a Modi e usa de forma eficiente as redes sociais.
Segundo Apurv Mishra, pesquisador sênior na India Foundation, continua intacta a maior parte da base de apoio que levou Modi a uma vitória avassaladora em 2014 —o BJP conquistou 282 dos 545 assentos e obteve maioria sem precisar de alianças.
“Modi desafiou as regras não escritas da política indiana de que os eleitores só votam segundo suas castas. As pessoas votaram devido à personalidade dele e sua proposta de desenvolvimento do país”, disse.
O premiê conseguiu turbinar sua popularidade com recentes atritos com o Paquistão na Caxemira. A disputa pela região e o apoio do governo paquistanês a extremistas que fazem ataques no território indiano são questões explosivas para o eleitorado local.
Mas parte dos apoiadores de Modi no meio empresarial está decepcionada com o que considera um desempenho abaixo das expectativas. A “desmonetização” de 2016 —retirada de notas para coibir a informalidade— foi um fiasco que acabou em confusão e falta de dinheiro no país.
Embora não haja estatísticas confiáveis, a percepção de que o desemprego está aumentando é generalizada.
Outros se ressentem com o que veem como empoderamento dos extremistas hindus. Os linchamentos de pessoas por supostamente terem comido carne de vaca tornaram-se mais frequentes, e muitos dos políticos ligados a Modi fazem declarações discriminatórias sobre muçulmanos.
Outra questão delicada é a crise no campo. As políticas do governo para controle da inflação levaram os preços dos principais produtos agrícolas a despencar, sufocando os agricultores, um eleitorado precioso no país ainda 66% rural.
Esta é considerada uma das eleições mais imprevisíveis da história indiana. Só são permitidas pesquisas de boca de urna após a última fase de votação, no dia 19 de maio.
A cada fase de votação, as urnas eletrônicas são armazenadas em salas com policiamento 24 horas e observadores dos partidos. As pesquisas ainda mostram o BJP como favorito, mas conquistando menos assentos do que em 2014. Sem maioria, o partido teria de fazer alianças com outras legendas, reduzindo sua força.
A Índia, um dos países com maior tradição em estatísticas confiáveis, está sendo acusada de maquiar os números de desemprego e do crescimento do PIB do país.
O governo do premiê Narendra Modi é questionado por especialistas e até pela economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), e a oposição o acusa de inflar o crescimento do PIB.
Modi também teria escondido estatísticas que revelam o maior nível de desemprego em 45 anos. Segundo eles, essa seria uma tentativa do primeiro-ministro, em campanha eleitoral, de mostrar que a economia está bem melhor do que nos governos anteriores.
Em março, um grupo de 108 economistas divulgou uma carta acusando o governo de “interferência política” nas estatísticas. A principal crítica eram as revisões para cima do PIB nos anos da gestão Modi —de 2015 para 2017, o crescimento foi de 7,1% para 8,2%, maior alta da história.
“Todas as estatísticas que põem em dúvida as conquistas do governo são revisadas ou suprimidas”, diz a carta. “A reputação dos órgãos estatísticos da Índia está em risco.”
O ministro das Finanças, Arun Jaitley, criticou os economistas em um texto publicado em uma rede social. “Analisei as credenciais dos 108 e descobri que 70% são críticos compulsivos do governo, que assinaram vários memorandos contra a atual administração.”
Em entrevista à Folha, o economista R. Nagaraj, um dos signatários da carta e um dos primeiros a apontar inconsistências na nova contabilidade do PIB, comparou o governo Modi à gestão da ex-presidente argentina Cristina Kirchner.
“É muito parecido com o que Cristina Kirchner fez na Argentinacomasestatísticasdeinflação”, diz, referindo-se à interferência da ex-presidente no órgão de estatísticas do país para mascarar a alta da inflação.
“E, na Índia, onde temos uma tradição em estatísticas, essa maquiagem dos números é especialmente condenável”, diz o professor de economia do Instituto de Pesquisas de Desenvolvimento Indira Gandhi, ligado ao Banco Central do país.
Emdezembro,apesquisasobre desemprego deixou de ser divulgada pelo governo. Mas o levantamento, que mostrava o maioríndiceem45anos,vazou. Em2017e2018,ataxafoia6,1%.
O número não parece grande se comparado ao Brasil, que registrou desemprego de 12,7% em março. Mas, na Índia, onde a grande maioria das pessoas tem empregos informais, que entram na categoria de subempregos ou desemprego oculto, um índice de 6,1% é muito preocupante.
O governo disse que decidiu não divulgar o levantamento porque os dados não são comparáveis. Mas PC Mohanan, que era o presidente do órgão desupervisãodeestatísticasdo governo, pediu demissão, em protesto, dizendo que “as estatísticas estão sendo usadas como um instrumento político”.
Nesta semana, a controvérsia em relação aos números do PIB voltou ao foco devido à divulgação de um relatório do próprio órgão de estatísticas, que confirma questionamentos dos economistas.
Como só uma minoria das empresas indianas declara seu faturamento, o governo usa uma lista de estabelecimentos para estimar o PIB. Mas o estudo mostrou que quase 36% das empresaselencadaspelogoverno para estimar o índice não existiam ou eram de fachada.
O ministério das Finanças, por sua vez, afirmou que ajustes estão sendo feitos e que isso não muda a estimativa.
“Nós economistas estávamos céticos há muito tempo com essas revisões para cima do PIB feitas pelo governo Modi. Agora, essa divulgação confirma nossas desconfianças”, diz Nagaraj.
Investidores e economistas do mercado financeiro têm recorrido de forma crescente a seus próprios levantamentos de avanço do PIB e inflação, usando indicadores alternativos, como vendas de automóveis e carga, porque não confiam nas estatísticas oficiais.
Até o ex-presidente do Banco Central, Raghuram Rajan, que atuou no início do governo Modi, questionou os números.
“Um ministro do governo questionou: como podemos crescer 7% se não temos empregos? Talvez seja porque não estamos crescendo 7%.”
Modi deu de ombros para a controvérsia e continuou comemorando o avanço do PIB da Índia, um dos países que mais crescem no mundo —caso as estatísticas estejam corretas. “É motivo de orgulho que agências globais como Banco Mundial e FMI sejam unânimes ao dizer que a Índia é o país que mais cresce entre as grandeseconomiasdomundo.”
Dias após a declaração do premiê, a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, elogiouatentativademodernização do cálculo do PIB do país, mas disse que “há questões que ainda precisam ser consertadas”.