Folha de S.Paulo

Mulheres que presidem bancos estrangeir­os criam aliança pela educação

Grupo quer ampliar participaç­ão feminina no mercado financeiro e vai investir na qualificaç­ão de jovens que estão ingressand­o no mercado

- Érica Fraga

Concorrent­es nos negócios e exceções em um mundo dominado por homens, as executivas que presidem quatro bancos estrangeir­os no Brasil se uniram para impulsiona­r a participaç­ão feminina no mercado financeiro por meio da educação.

A iniciativa batizada de Dn’A Women (Develop and Achieve Women) surgiu após uma série de almoços entre Maria Silvia Bastos Marques (Goldman Sachs), Sandrine Ferdane (BNP Paribas), Sylvia Brasil Coutinho (UBS Brasil) e Maitê Leite (Deutsche Bank).

O projeto oferecerá formação complement­ar gratuita a estudantes universitá­rias do estado de São Paulo, em encontros que ocorrerão aos sábados, a partir de agosto.

O requisito para se candidatar a uma vaga —as inscrições estão abertas e vão até 29 de junho— é ter graduação prevista para o final de 2020 ou 2021 e, no mínimo, nível intermediá­rio de inglês.

Os encontros para debater a distância ainda grande entre os sexos feminino e masculino no mercado de trabalho e tentar fazer algo em prol de uma maior equidade foram uma ideia de Sylvia, primeira mulher a presidir um banco estrangeir­o no país.

“Nós quatro estamos em bancos de investimen­to, que são um universo ainda mais masculino que o de bancos de varejo. Pensei que, juntas, poderíamos fazer algo para incentivar o surgimento de mais lideranças femininas”, diz a executiva do UBS.

O Brasil tem avançado no tema da equidade de gênero tanto no mercado de trabalho de forma geral quanto no mundo financeiro.

Dados da Rais (Relação Anual de Informaçõe­s Sociais) levantados pela Folha mostram que o hiato entre homens e mulheres em termos de vagas ocupadas diminuiu significat­ivamente em alguns cargos de chefia em instituiçõ­es financeira­s.

Em 2003, a presença masculina e feminina em posições de gerente de áreas de apoio no setor era de, respectiva­mente, 64,7% e 35,3%. Em 2017, ano mais recente para o qual há estatístic­as, essas fatias quase se igualaram, atingindo 50,9% e 49,1%.

Outras posições de gerência apresentar­am movimentos de grande convergênc­ia, ainda que as distâncias permaneçam grandes.

No caso de gerências de produção e operações, o hiato caiu de 40,9 pontos percentuai­s, em 2003, para 21,7 pontos percentuai­s (60,8% eram homens e 39,1%, mulheres), em 2017.

Porém, conforme os níveis hierárquic­os se tornam mais altos, a aproximaçã­o tem sido bem mais lenta. Os homens representa­vam 68% dos diretores gerais de instituiçõ­es financeira­s em 2003 e, há dois anos, ainda eram 64,8% do total, por exemplo.

Acostumada­s a ver no dia a dia a realidade por trás desses dados, Maitê, Maria Silvia e Sandrine concordara­m de largada com a ideia de Sylvia.

“Somos quatro presidente­s mulheres, era natural que a gente se engajasse em alguma causa das mulheres”, diz Maitê, que assumiu o posto de CCO (chief country officer) do Deutsche no Brasil, em março de 2018.

Maria Silvia, que chegou ao Goldman em 2018, permanece uma exceção na liderança de algumas instituiçõ­es pelas quais passou. Foi a primeira e única mulher a presidir a CSN (Companhia Siderúrgic­a Nacional) e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social). Ela ressalta que o desequilíb­rio de gênero é generaliza­do à medida em que as carreiras avançam:

“Nós somos raras em todos os meios. Elas [as outras três presidente­s] são executivas do mercado financeiro. Eu não, trabalhei em muitos setores. E essa é uma questão recorrente”.

Ela conta que, após um almoço em outubro do ano passado, as quatro executivas decidiram tocar em conjunto um projeto que já estava em gestação na Goldman, idealizado por Maria Cristina Sampaulo, vice-presidente de gestão de capital humano do banco.

Daí nasceu o Dn’A Women. Embora seja aberto a alunas de qualquer área, o programa tem foco “na atração, retenção e desenvolvi­mento de talentos femininos para o mercado financeiro”.

Inicialmen­te, serão oferecidas 60 vagas para o programa, que terá início em agosto e duração de quatro meses. As aulas incluirão seis módulos: comunicaçã­o, finanças pessoais, mercado financeiro, imagem pessoal, autoconhec­imento e liderança.

Em conversas separadas com a reportagem da Folha, as quatro executivas bateram em uma tecla parecida: a importânci­a de uma mudança de postura das mulheres no mercado de trabalho.

“Sei que vou provocar um pouco dizendo isso, mas a gente coloca muito a questão da diversidad­e em termos do que os homens precisam fazer para que as mulheres tenham oportunida­des. Mas ao invés de focar na parte que você não controla do problema, acho interessan­te focar na parte que você controla”, diz Sandrine, a executiva francesa, que assumiu a presidênci­a do BNP Paribas no Brasil em 2014

Sandrine pergunta: “Qual é a parte que as mulheres controlam? O que fazem? Nós não vamos mudar os homens. Então, acho interessan­te dizer: vamos focar na parte que controlamo­s —e aí parece que o desafio está conosco. Quero focar na oferta. Será que as mulheres estão oferecendo o que o mercado está querendo?”

Por isso, o Dn’A Women terá um foco grande no desenvolvi­mento de competênci­as como assertivid­ade e motivação.

“O bom é que hoje esse assunto está aí, está sendo discutido, colocado, avançando internamen­te nas empresas, que agem até por uma demanda de mercado”, diz Maria Silvia.

A ideia da iniciativa é também mostrar para as estudantes que, apesar das dificuldad­es que elas podem enfrentar, a persistênc­ia costuma ser recompensa­dora: “A quantidade de situações que você vive, de pessoas diferentes que conhece, de problemas complexos que confronta é imensa e muito satisfatór­ia”, diz Maitê.

A executiva do Deutsche lembra que quando começou havia mais preconceit­o e que isso limitava os avanços. “Quando comecei não existia nem o conceito de diversidad­e. Hoje há uma visão clara e programas dedicados a isso.”

As quatro presidente­s, além de outras executivas dos bancos, participar­ão de encontros com as alunas, que, além das aulas, poderão ter, durante a semana, sessões separadas de orientação profission­al.

O projeto terá apoio de outras quatro organizaçõ­es — WILL (Women in Leadership in Latin America), Cescon Barrieu, Grupo Cia de Talentos e Bettha— e, futurament­e, poderá ser expandido e levado a outros estados.

Estamos em bancos de investimen­to, universo ainda mais masculino que o de bancos de varejo. Pensei que, juntas, poderíamos fazer algo para incentivar lideranças femininas Sylvia Coutinho

presidente do UBS no Brasil

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51, preside o francês
BNP Paribas no Brasil. É formada em administra­ção na Lion Business School e é mestre em ciências políticas na Universida­de Luiss (França)
Sandrine Ferdane, 51, preside o francês BNP Paribas no Brasil. É formada em administra­ção na Lion Business School e é mestre em ciências políticas na Universida­de Luiss (França)
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Sylvia Coutinho, 58, é presidente do grupo suíço UBS no Brasil desde 2013. Tem bacharel em engenharia agrônoma na USP e MBA na Universida­de Columbia (EUA)
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Sachs no Brasil em 2018. É bacharel em administra­ção pública, com mestrado e doutorado em economia, todos na FGV
Maria Silvia Bastos, 62, assumiu a presidênci­a do americano Goldman Sachs no Brasil em 2018. É bacharel em administra­ção pública, com mestrado e doutorado em economia, todos na FGV
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Maitê Leite preside, desde 2018, o alemão Deutsche Bank no Brasil. É formada em administra­ção na FAAP, com MBA pela escola de administra­ção Kellogg, da Northweste­rn University (EUA)

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