Folha de S.Paulo

Pinturas naïf protagoniz­am exposição no Rio

Mostra na Escola de Artes Visuais do parque Lage recebe 300 peças do Mian, fechado desde 2016 por falta de recursos

- Luís Costa Divulgação

Fechadas ao público há mais de dois anos, 300 obras do Mian (Museu Internacio­nal de Arte Naïf do Brasil) estão em exposição na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio. Com 6.000 peças em acervo —o maior de arte naïf no mundo—, o Mian fechou as portas de seu casarão no bairro do Cosme Velho em dezembro de 2016, por falta de recursos.

A mostra exibe peças de artistas como Dalton Paula, Heitor dos Prazeres e Amadeo Luciano Lorenzato. “São nomes considerad­os naïf por preconceit­o, porque eles já figuram em outras coleções e são mais complexos do que isso”, afirma o curador Ulisses Carrilho. “Antes de fazerem sucesso, são considerad­os naïf e depois se reinventa um nome para chamá-los.”

Naïf (ingênuo, em francês) é o gênero guiado pelo autodidati­smo de artistas. “Eu não acredito que esses pintores sejam mais emotivos, ou mais ingênuos do que outros”, afirma Carrilho. Na exposição, obras ditas naïf dialogam com outras de arte contemporâ­nea de mais de 40 artistas, sem delimitaçã­o de gêneros. “Não há artistas naïf ou não naïf. Há artistas.”

A curadoria toca na hipótese de que o autodidati­smo artístico no Brasil seja menos uma escolha do que uma imposição. Para Carrilho, a questão precisa ser considerad­a a partir da realidade social brasileira. “A questão aqui está muito mais ligada à falta de acesso ao ensino público”, diz.

A mostra é aberta com seis telas a óleo, pintadas com dedos e escovas de dente, do mineiro Odoteres Ricardo de Ozias (1940-2011). É uma sequência nunca antes exposta, que conta uma série narrativa histórica —da captura de negros em solo africano à sua chegada e escravizaç­ão no Brasil.

Negro e pobre, Ozias veio do interior de Minas para o Rio, foi pedreiro e ferroviári­o, virou pastor evangélico e pintou aspectos da negritude e do candomblé. “A discussão sobre o acesso à educação pública está intimament­e colocada dentro de uma discussão antirracis­ta”, diz o curador.

Com o subtítulo-manifesto “Nenhum Museu a Menos”, a mostra faz alerta sobre o deterioram­ento e o fechamento de museus no país. Além do próprio Mian, Carrilho lembra no Rio os casos do Museu Nacional, incendiado em 2018, e do Museu Casa do Pontal, fechado após inundação.

Casa do Pontal faz financiame­nto coletivo para reabrir

A mostra na EAV é aberta um mês depois do alagamento do Museu Casa do Pontal, na zona oeste do Rio, que guarda o maior acervo de arte popular do país, com cerca de 10 mil peças de 300 artistas, como o ceramista Mestre Vitalino (1909-1963) e a artesã Dona Isabel (1924-2014). O museu está fechado desde o dia 10 de abril, quando chuvas provocaram a pior inundação de sua história.

Um projeto de financiame­nto coletivo foi aberto no site Benfeitori­a para obter R$ 80 mil em uma primeira etapa e reabrir parte do espaço —até o momento, conta com cerca de R$ 35 mil. A expectativ­a é reabrir as portas da Casa do Pontal no dia 13 de julho, com uma festa julina. “Queremos fazer com que as pessoas se apaixonem por esse acervo”, diz o diretor-executivo do museu, Lucas van de Beuque.

Aberto em 1992, o museu sofre com alagamento­s desde 2011. À época, a direção da casa encomendou estudo à UFRJ para avaliar as causas da inundação. Engenheiro­s constatara­m o aterrament­o de um terreno, que se revelaria a construção de um megacondom­ínio. “A causa eram empreendim­entos de dez andares, com subsolo”, diz Van de Beuque.

Em abril passado, o sexto alagamento em oito anos destruiu vitrines, armários, estruturas e banheiros. “A gente já teve perdas da ordem de R$ 1 milhão”, avalia o diretor, neto do fundador do museu, o francês Jacques van de Beuque.

Arte Naïf – Nenhum Museu a Menos

Seg. a dom., das 11h às 17h (qui. até as 20h), na Escola de Artes Visuais, r. Jardim Botânico, 414, Rio de Janeiro. Grátis. Até 7/7

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Quadro de Pedro Paulo da Conceição que integra o acervo do Museu Internacio­nal de Arte Naïf, no Rio

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