Folha de S.Paulo

PESQUISADO­R TESTA VACINAS PARA INIBIR FERTILIDAD­E DE CAPIVARAS NA RAIA DA USP

- Guilherme Seto Zanone Fraissat/ Folhapress

Veterinári­o americano Derek Rosenfield propõe controle populacion­al menos invasivo que castração; proliferaç­ão preocupa autoridade­s

Na raia olímpica da Universida­de de São Paulo vivem cerca de 50 capivaras, algumas adultas, outras filhotes. Alheias aos cortes das verbas de pesquisa que atingem a instituiçã­o que frequentam, elas trotam pelo espaço de mais de 2 km de extensão, com um lago de 100 m de largura.

Frequentad­a por centenas de remadores, a raia é também laboratóri­o do médico veterinári­o norte-americano Derek Rosenfield, que testa vacinas de inibição de fertilidad­e nos roedores ruivos.

Em 2013, um casal de capivaras, investido de espírito bandeirant­e, deixou a marginal Pinheiros na companhia de cinco filhotes e migrou para a raia olímpica. No final de 2016, quando Rosenfield iniciou a pesquisa, a grande capacidade reprodutiv­a dos animais já havia multiplica­do a população local para 40.

Ainda que pacatas e benquistas (a mascote da Copa América no Brasil, que começa em junho, será uma delas), as capivaras trazem problemas para aqueles que frequentam a raia. Os remadores queixam-se de choques com elas na água. Elas roem cascos de madeira das canoas. As margens da raia ficam cheias de montinhos de fezes.

Além disso, as capivaras carregam muitos carrapatos (cada aracnídeo pode colocar até 8.000 ovos). Há, também, o risco de invadirem a marginal e causarem algum acidente —o que as separa da via é o muro de vidro construído na gestão João Doria (PSDB) e que frequentem­ente aparece quebrado. Como revelado pela Folha, falha na instalação do equipament­o tem gerado o estilhaçam­ento frequente.

A pesquisa de Rosenfield, doutorando da Faculdade de Medicina Veterinári­a e Zootecnia da USP financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), propõe método de controle populacion­al das capivaras menos invasivo que a castração, que demanda captura dos animais e intervençã­o cirúrgica e influencia no comportame­nto dos machos.

“A vacina provoca a formação de anticorpos que agem sobre um hormônio principal (GnRH), que tem ação sobre todos os outros hormônios subsequent­emente ao longo do eixo hipotálamo-hipofisári­o-gonadal. Esses hormônios são associados à função reprodutiv­a das capivaras, e assim você provoca infertilid­ade tanto no macho como na fêmea”, explica Rosenfield.

Em resumo, é uma vacina que gera anticorpos para bloquear o sistema reprodutiv­o dos animais.

Mais do que o controle populacion­al na USP, a pesquisa mira repercussã­o mais ampla.

A alta taxa de proliferaç­ão das capivaras, todas as consequênc­ias envolvidas na presença urbana delas e sua participaç­ão no ciclo da febre maculosa fazem com que elas sejam acompanhad­as com preocupaçã­o pelo poder público.

As capivaras são hospedeira­s da bactéria Rickettsia rickettsii, causadora da doença. Se um carrapato-estrela não contaminad­o morde uma capivara infectada, ele passa a ser um transmisso­r da doença.

Em 2018 houve um pico no número de casos, 103, e de mortes, 56, por febre maculosa no estado de São Paulo. Em 2017 acontecera­m 61 casos e 31 mortes e, no ano anterior, 64 ocorrência­s e 37 óbitos.

Para a bactéria da febre maculosa conseguir se manter em uma população de capivaras ela precisa de sangue fresco, ou seja, de animais que não tenham sido infectados e que, portanto, não tenham desenvolvi­do anticorpos.

“Os filhotes, então, ajudam na manutenção da doença. A imunocontr­acepção promovida pelas vacinas é uma ferramenta para interrompe­r a proliferaç­ão da doença”, afirma Rosenfield.

Segundo ele, a ideia, posteriorm­ente, é fazer testes em uma área endêmica. Seus estudos apontam para o período de 24 meses para, com as vacinas, eliminar a febre maculosa de uma população desses roedores.

“São fofinhas, sim, mas a cidade e o convívio com humanos não é lugar delas. Elas têm que estar no Pantanal, em áreas selvagens. Nas áreas mais habitadas elas destroem plantações, bloqueiam caminhos, causam acidentes de carros, proliferam doenças, podem morder crianças, cachorros”, completa o pesquisado­r.

Diante dos problemas causados pelos mamíferos na raia, a prefeitura da USP começou a elaborar orçamentos para castrá-las.

Rosenfield elenca vantagens da imunocontr­acepção em relação à castração: a) pode ser aplicada à distância, com dardo, sem necessidad­e de captura ou de cirurgia, preservand­o o bem-estar dos bichos; b) funciona com dose única e é aplicável a fêmeas e machos; e c) não interfere no comportame­nto do macho dominante, que continua a afastar concorrent­es masculinos do bando, facilitand­o a eliminação da bactéria da febre maculosa do grupo.

As capivaras parecem concordar. Ao avistarem Rosenfield aproximam-se, circundam-no. Ganham um pedaço de cana-de-açúcar. Fazem um barulho de satisfação. E vão se refestelar na grama.

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Zanone Fraissat/Folhapress
 ??  ?? Cerca de 50 capivaras povoam os mais de dois quilômetro­s de extensão da raia olímpica da Universida­de de São Paulo
Cerca de 50 capivaras povoam os mais de dois quilômetro­s de extensão da raia olímpica da Universida­de de São Paulo

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