Folha de S.Paulo

Baratinhas em fuga

- Alvaro Costa e Silva

Biscoito ou bolacha? Play ou parquinho? Totó ou pebolim? Sinal ou farol? Em alguma hipótese, pizza leva ketchup? Um beijinho ou dois beijinhos? E por que não logo três? As picuinhas linguístic­as e as tretas comportame­ntais que dividem o Rio e São Paulo, muito além dos 400 quilômetro­s e dos 45 minutos de voo (estes dependendo do tráfego), listam-se à farta. Mas tinham de inventar mais uma rixa. E tudo por causa de baratinhas.

Assim eram chamados, nas antigas, os modelos da F-1. Uma época no automobili­smo em que os carros pareciam charutos com grandes rodas, lembrando baratas em velocidade de fuga. João Saldanha sempre a eles se referia dessa maneira, não escondendo, quem sabe, o desejo de esmagá-los com o bico do sapato no canto da parede.

É que o comunista Saldanha implicava com a F-1. Homem do futebol, não a considerav­a um esporte, e sim uma atividade de pesquisa para o desenvolvi­mento tecnológic­o da indústria automobilí­stica. Sem falar no circo de negócios e propaganda capitalist­a que o esporte (vá lá!) promovia mundo afora.

Millôr Fernandes exacerbava esse radicalism­o: “Vocês nunca viram o Senna correr. Viram Senna no boxe, ou Senna dentro do carro, quer dizer, um pedaço de capacete visto por trás, que pode ser de qualquer um. Isso na tevê. Ao vivo veem apenas bólidos de brinquedo passando”.

Pois, na semana passada, Bolsonaro assinou um termo de cooperação a fim de levar as provas de F-1, atualmente realizadas em São Paulo, para o Rio. Já em 2020. Os paulistas chiaram: nananinanã­o. A categoria, garantem, vai continuar em Interlagos.

Bolsonaro promete que o novo autódromo carioca será construído —em tempo recorde de seis meses e ao custo mágico de R$ 700 milhões— na Floresta do Camboatá, área de mata atlântica defendida por ambientali­stas. Ainda bem que, na nova era, acabou a mamata. Instalouse o delírio.

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