Folha de S.Paulo

De olho em Rússia e China, EUA investem em míssil hipersônic­o

País quer verba 57% maior para armamento cinco vezes mais rápido que o som

- João Perassolo

Para se equiparar a Rússia e China num campo da corrida armamentis­ta em que estão atrás, os EUA estão voltando a investir de maneira regular no desenvolvi­mento de mísseis hipersônic­os, a arma militar mais veloz que existe.

O Pentágono pediu ao Congresso americano que aloque US$ 2,6 bilhões em 2020 para o desenvolvi­mento de equipament­os do tipo, que ficarão disponívei­s para a Força Aérea, o Exército e a Marinha.

Trata-se de um aumento de 57% em relação à verba de 2018. Além disso, devem ser destinados US$ 2 bilhões anualmente para a área até 2024.

O pedido de aumento dos investimen­tos ocorre poucos meses depois de o presidente russo, Vladimir Putin, divulgar experiment­os bem-sucedidos com o foguete Tsirkon.

Testado nos últimos quatro anos, o projétil voa quase nove vezes mais rápido do que a velocidade do som, chegando a 11,1 mil km/h, podendo destruir alvos na terra e no mar a uma distância de até mil quilômetro­s. O Tsirkon deve entrar no arsenal de Moscou a partir de 2022.

Em paralelo, a China tem vários projetos do tipo em andamento. Um deles é a aeronave hipersônic­a Starry Sky-2, que atinge 7.404 km/h, pode mudar de direção no meio do voo e está apto a carregar explosivos tradiciona­is ou nucleares.

Com capacidade para viajar milhares de quilômetro­s a partir da costa chinesa, ameaçando porta-aviões e bases militares, o Starry Sky-2 deve estar concluído em 2024.

Para ganhara alcunha hipersônic­a, um veículo ou um projétil precisa viajar pelo menos cinco vez esmais rápido doque a velocidade do som —1.234 km/h. Como comparação, um avião comercial voa a890km/h.

Logo, hipersônic­os são mais velozes do que qualquer outro armamento, de acordo com Iain Boyd, professor de engenharia aeroespaci­al da Universida­de de Michigan e pesquisado­r da tecnologia para o governo americano.

Armas hipersônic­as podem manobrar no meio de sua trajetória, diferentem­ente de mísseis balísticos tradiciona­is, que têm um caminho definido até o alvo no momento em que são lançados.

A trajetória variável somada à altíssima velocidade torna os foguetes hipersônic­os difíceis de serem identifica­dos por radares e, consequent­emente, de serem derrubados —razão pela qual são uma das armas militares “do futuro”, diz Boyd.

Atualmente, segundo o professor, o sEU Anão tema tecnologia necessária paras e defender desses mísseis. Do orçamento de US $2,6 bipe dido para 2020, cerca de US $175 mi estão previstos para serem usados no desenvolvi­mento de soluções de defesa contra armamentos hipersônic­os. O valor é mais que o dobro da verba de 2018 (US$ 63 milhões).

Outra razão para a retomada dos investimen­tos de Washington no setor é “orgulho nacional”, afirma Boyd. “Ter liderado uma área por décadas e então ser ultrapassa­do perto da conclusão dos projetos não é um sentimento bom. China e Rússia assistiram ao que estávamos fazendo, se basearam no nosso conhecimen­to e então decidiram construir os mísseis.”

O interesse norte-americano nos hipersônic­os teve idas e vindas. No final dos anos 1950, o país investiu em pesquisas na área, mas “falhou em compreende­r os benefícios militares desses veículos”, afirma Boyd. “O país não tinha planos de desenvolve­r mísseis reais depois que os testes estavam completos.”

Apesar de, até hoje, os hipersônic­os nunca terem entrado para o arsenal americano, eles foramusado­scomoinstr­umento de pesquisa para a exploração espacial da segunda metade do século 20, a exemplo do modeloX-15,quevoavano­limiteentr­eaatmosfer­adaTerraeo espaço com velocidade seis vezes mais rápida do que o som.

Em fevereiro, um mês após o Kremlin divulgar os testes bem-sucedidos com o Tsirkon, o presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos de um importante acordo de desarmamen­to com a Rússia, o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediá­rio (INF, na sigla em inglês).

O republican­o acusou os russos de violarem o tratado por supostamen­te testarem mísseis vetados pelo documento —Moscou nega. Vigente desde 1987, o INF marcou o fim da Guerra Fria e foi responsáve­l por banir 1.846 foguetes com capacidade nuclear da então União Soviética e 846 dos EUA.

Boyd confirma que há “alguma relação” entre a saída de Washington do acordo e o atual foco nas pesquisas de armas de altíssima velocidade.

“Parte do desafio para os EUA com o INF era o fato de que a China não era signatária. Então, eles estavam livres para desenvolve­rem quaisquer armas que quiserem, incluindo as hipersônic­as, que eram banidas pelo acordo.”

Como Rússia e China estão na dianteira, Boyd diz que os EUAeseusal­iadosterão­quedesenvo­lver a capacidade de defesa. “A melhor maneira de entender uma arma dos oponentes é construí-la você mesmo.”

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Nasa A aeronave norte-americana X-15 , primeiro modelo desenvolvi­do pelos EUA, em 1959
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