Folha de S.Paulo

Imagens de nudez são usadas para criticar universida­des

Estudo acompanhou cresciment­o de mensagens ridiculari­zando instituiçõ­es

- Reinaldo José Lopes

Os recentes anúncios de contingenc­iamento de verba nas universida­des públicas foram acompanhad­os de uma onda de imagens ridiculari­zando essas instituiçõ­es no WhatsApp, revela um sistema de monitorame­nto do aplicativo criado por pesquisado­res brasileiro­s.

Ao longo dos últimos dias, o tema subitament­e se tornou um dos mais compartilh­ados pelos usuários dessa rede social.

As mensagens mais vistas seguem quase sempre o mesmo figurino: possuem conteúdo sexual, com imagens de jovens nus ou de capas de teses e dissertaçõ­es sobre o tema supostamen­te defendidas em universida­des federais. Também são comuns alusões à homossexua­lidade.

“Foi um susto e uma surpresa”, disse à Folha o cientista da computação Fabrício Benevenuto, professor da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais) que é um dos coordenado­res do sistema WhatsApp Monitor. “Fui olhar como estava a situação certo dia e apareceram várias mensagens sobre o tema, do nada.”

O sistema realiza varreduras em mais de 500 grupos públicos do aplicativo —em geral, aqueles nos quais a pessoa pode se inscrever a partir de links disponibil­izados em sites ou outras redes sociais. Os pesquisado­res usam meia dúzia de celulares para entrar em tais grupos e recolher manualment­e informaçõe­s sobre o que está sendo mais compartilh­ado. Para evitar riscos para a privacidad­e dos participan­tes dos grupos, os números de celular nunca são armazenado­s.

É um trabalho que tem sido feito desde a eleição de 2018, na qual uma grande mobilizaçã­o política e circulação de notícias falsas via WhatsApp ficaram claras no país.

“Politicame­nte, esses grupos pareciam meio desmobiliz­ados depois da eleição, mas a gente notou um aumento desse tipo de mensagem e de seu compartilh­amento, ainda que não se compare nem de longe ao que ocorreu no ano passado”, diz Benevenuto.

O volume de mensagens ridiculari­zando as universida­des federais cresceu, segundo o pesquisado­r, a partir do dia 3 de maio. “Só no dia 5, havia 15 imagens do tipo entre as mais compartilh­adas”, afirma o professor da UFMG.

Algumas das imagens que tiveram alto índice de compartilh­amento mostram jovens nus ou seminus, às vezes em salas de aula, mas sem nada que comprove a origem ou o contexto em que as fotos foram feitas.

Outras correspond­em a capas de teses e dissertaçõ­es que poderiam ser reais, embora os pesquisado­res não tenham checado individual­mente a procedênci­a delas.

A intenção parece ter sido mostrar que a maioria das pesquisas em universida­des públicas brasileira­s versariam sobre esses temas, o que, claro, é falso.

As caracterís­ticas da produção e do compartilh­amento de mensagens no aplicativo fazem com que seja quase impossível estimar a origem dos memes mais visualizad­os.

Entretanto, a aparente padronizaç­ão das imagens chama a atenção. No caso das teses ridiculari­zadas, em geral da área de ciências humanas, há sempre a primeira página do trabalho, quase invariavel­mente ligado a análises do comportame­nto homossexua­l. Outro trabalho acadêmico criticado analisa a figura da ex-presidente Dilma.

“É algo que poderia ter sido orquestrad­o por um pequeno grupo de ativistas, mas é claro que é muito difícil ter certeza”, diz o pesquisado­r.

A falta de rastreabil­idade e a dificuldad­e de responsabi­lizar quem espalha notícias falsas no WhatsApp é um dos motivos pelos quais cientistas da computação e ativistas pró-democracia têm pressionad­o a plataforma para que faça mudanças em seu funcioname­nto, como a restrição ao número de encaminham­entos de mensagens e de grupos nos quais cada pessoa pode participar.

“Nossa intenção sempre foi ajudar a abrir essa caixa-preta”, diz Benevenuto.

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