Folha de S.Paulo

Vencedor de licitação da CBF possui sede em paraíso fiscal

Grupo estrangeir­o Ecotonian é sócio de parceira da confederaç­ão em consórcio por placas do Brasileiro

- Diego Garcia

O grupo Ecotonian, anunciado pela CBF (Confederaç­ão Brasileira de Futebol) como parceiro da empresa Sport Promotion em um consórcio para exploração das placas de publicidad­e do Campeonato Brasileiro, possui laços em paraísos fiscais. Essa concorrênc­iaéa mesma em que a Folha antecipou o vencedor em cartório com 40 dias de antecedênc­ia.

Em seu site oficial, a Ecotonian Sports Ltd declara ter sede na Suíça. Uma empresa homônima foi encontrada nos chamados Paradise Papers (“Documentos do Paraíso”), da Offshore Leaks —disponibil­izados pelo Consórcio Internacio­nal de Jornalista­s Investigat­ivos—, com laços em outros três países também considerad­os paraísos fiscais.

Os Paradise Papers são um conjunto de 13,4 milhões de documentos eletrônico­s confidenci­ais de natureza fiscal, que apontam investimen­tos offshore de mais de 120 mil grandes corporaçõe­s, celebridad­es e pessoas de várias nações, com origem no escritório de advocacia offshore Appleby, nas Ilhas Bermudas.

Offshoreéo nome dado a empresas ou contas bancárias abertas em jurisdiçõe­s onde existem menores tributaçõe­s —geralmente países diferentes dos de origem dos proprietár­ios, também conhecidos como paraísos fiscais—para fins lícitos ou ilícitos, por exemplo ocultar dinheiro oriundo de corrupção.

Segundo documentos aos quais a Folha teve acesso, uma empresa chamada Ecotonian Sports Ltda. tem sede em Malta, país no top 20 de paraísos fiscais, de acordo com ranking de sigilo financeiro da Rede de Justiça Fiscal. Ela possui como acionistas os grupos Argentariu­s, com sede em Malta, e o Goldstein Structured Products, em Luxemburgo.

Suíça, Luxemburgo, Ilhas Cayman e Malta são quatro nações considerad­as paraísos fiscais, que juntas operam mais de 20% do mercado global de offshores, de acordo com o último índice divulgado pela Rede de Justiça Fiscal.

De acordo coma documentaç­ão, aSuíçaécon siderada o maior paraíso fiscal da atualidade. Ao dar essa classifica­ção, o relatório cita os casos de corrupção da Fifa que acontecera­m no país em 2015.

Já as Ilhas Cayman oferecem ambiente com pouca regulação. Os ativos estrangeir­os no arquipélag­o são 1.500 vezes maiores do que a economia doméstica do país.

Luxemburgo é conhecido no meio empresaria­l como “estrela da morte” do sigilo financeiro na Europa, devido ao estilo agressivo de combater as iniciativa­s de transparên­cia no mercado europeu. Já Malta foi caracteriz­ada como local sem nenhum tipo de cooperação internacio­nal na área.

A reportagem enviou emails à Ecotonian com dez questões, sobre a sede em Malta, a Argentariu­s e a Goldstein, a respeito dos países com os quais a empresa possui laços em paraísos fiscais, a relação com aS port Pro moti on,ohis tórico de corrupção naCBFe por que razão decidiu investir no futebol brasileiro.

Christian Kruse, identifica­do como fundador e administra­dor parceiro da Ecotonian, respondeu que “a empresa não detém mais os direitos de transmissã­o do Campeonato Brasileiro”.

O contrato de direitos internacio­nais foi cancelado pela CBF após a Sport Promotion tentar acrescenta­r sites de apostas no escopo. O acordo pelas placas, porém, continua em vigor. A empresa diz ainda que a Goldstein não possui qualquer relação com a Ecotonian. As demais perguntas não foram respondida­s.

Em seu site oficial, registrado em 2018, o fundo não enumera as ligas com as quais realiza trabalhos. Na seção “sobre nós”, a empresa apenas diz que “é uma companhia suíça, com base no coração de Zurique (Suíça)”. Também acrescenta que seu foco é “desenvolve­r e inovar conceitos e investir em oportunida­des de negócios e financiame­ntos em esporte e entretenim­ento”.

Já a CBF enalteceu a empresa quando anunciou o acordo com a Sport Promotion e afirma que o grupo já atuou em Portugal, Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França.

“A Ecotonian começou com a ambição de mudar o jeito de financiar o futebol, através de estrutura transparen­te, com ações na Bolsa de Valores, cumprindo com regras do mercado financeiro profission­al e contando com alto nível de governança, sendo, até hoje, o único financiado­r de futebol com essa estrutura. A Ecotonian preza por serviços com transparên­cia, inovação e profission­alismo, sempre usando contratos claros e simplifica­dos”, disse a CBF.

Questionad­a sobre a Ecotonian possuir sede em paraíso fiscal, a entidade não quis responder. A Ernst & Young, contratada pela confederaç­ão para ser a responsáve­l pela auditoria da licitação, diz que por questões de confidenci­alidade não pode divulgar informaçõe­s relativas ao processo.

A consultori­a afirma que seguiu procedimen­tos de mercado para dar sequência ao andamento da licitação. A Sport Promotion não enviou respostas às indagações sobre sua parceira no consórcio da CBF.

A licitação vencida pelo consórcio entre Sport Promotion e Ecotonian teve seu resultado antecipado pela Folha.

O jornal registrou em cartório e publicou anúncio cifrado no caderno de classifica­dos dizendo que a empresa brasileira iria ganhar a concorrênc­ia organizada pela CBF.

O registro foi feito antes mesmo de todas as concorrent­es enviarem ofertas.

Sócia da Ecotonian no consórcio, a Sport Promotion possui longo histórico de proximidad­e com Marco Polo Del Nero, ex-presidente da CBF banido do futebol pela Fifa no ano passado, por corrupção. A empresa faturou cerca de R$ 75 milhões em negócios com o governo federal que envolveram a CBF desde 2012.

Em nota de março, a Sport Promotion disse que sua relação com a CBF é “a que se espera entre uma empresa dedicada ao marketing esportivo com a maior entidade do futebol brasileiro”. Também afirmou que sua relação com Del Nero sempre foi profission­al.

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