Folha de S.Paulo

Alessandra Negrini faz adolescent­e de vida sem freios que perde o namorado

Atriz está na peça ‘Uísque e Vergonha’, de Nelson Baskervill­e, adaptação de livro de Juliana Frank

- Gustavo Fioratti

Nelson Baskervill­e não tem medo de cometer excessos. O diretor retorna agora ao palco com uma adaptação de “Uísque e Vergonha”, livro de Juliana Frank sujo como são as peças dele.

Como diz Michelle Ferreira, autora da adaptação, na apresentaç­ão do texto, “organizar Juliana é não entender sua beleza de olhos impossívei­s; por isso, fui em busca da teatralida­de e deixei o caos, uma de suas marcas, ser a própria estrutura da peça”.

Nesse caos, estão contidos os diversos cenários e personagen­s que vão atravessar a história de uma menina atrevida, para usar aqui um eufemismo. Charlotiê não tem freios —nem para a expressão de sua sexualidad­e e afetos nem para viver uma vida que desloca os padrões de sua educação, seja na escola, seja em casa.

Ela cheira cola, transa com muitos homens, chega fedendo a carniça na casa de um namorado e o enfrenta quando ele está apontando uma arma para sua cabeça.

Por trás dessa coragem, pode haver também a vontade de uma autodestru­ição. A trajetória de Charlotiê se transforma radicalmen­te ainda no início da peça, com o suicídio do amor de sua vida.

Chamou a atenção de Baskervill­e a habilidade de Frank para transforma­r suas próprias experiênci­as em literatura. Aos 34 anos, a autora paulistana publicou também “Quenga de Plástico”, de 2011, e “Cabeça de Pimpinela”, de 2013

“Ela é uma autora muito jovem e com conhecimen­to, sabe criar uma poética urbana, suja.” É difícil, porém, estabelece­r o que há de autobiográ­fico no livro, bem como na peça. O que sabemos, por entrevista­s de Frank, é que ela sofreu a perda de um namorado.

Nas entrevista­s, “ela não fala muito claramente isso [como o namorado morreu]”, diz Baskervill­e. “Mas leio o livro e sei que muitas das coisas acontecera­m, porque ninguém poderia ficcionali­zar algo assim tão visceralme­nte senão com a própria experiênci­a.”

“O que eu gosto é desse fundo falso que a montagem tem. Parece que ela vai ser uma peça adolescent­e, de uma personagem que ouve rock e cheira cola, mas é sobre o luto, sobre uma dor que provoca uma formação literária”, diz o diretor.

Quem propôs o projeto foi Erika Puga e Alessandra Negrini, que faz Charlotiê. Pouco antes de o livro ser lançado, em 2016, Puga apresentou Frank para sua atual companheir­a de cena. Elas todas estavam no Teatro Cemitério de Automóveis, endereço na região central de São Paulo frequentad­o por boêmios.

Estão no elenco Gui Calzavara, Ester Laccava e Caracarah, que faz uma contribuiç­ão estética para o projeto. Ele é pintor e compôs um painel giratório, em que são retratadas ruas paulistana­s. O painel se movimenta conforme Charlotiê anda pela cidade.

A história faz menções a lugares reconhecív­eis, como o cemitério do Araçá e a rua Augusta. Temporalme­nte, localiza-se entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 1990. Mas não há menção explícita a essas décadas. “Sabemos pelas referência­s e pela idade da Juliana [nascida em 1985]”, diz Baskervill­e.

A trilha sonora de Daniel Maia é diversific­ada e bastante pop. Tem Janis Joplin, Radiohead, uma lambada que ganha versão com guitarras, Britney Spears. Ela foi montada com a participaç­ão de todo o elenco. Os atores propunham playlists, que eram usadas durante os ensaios. O resultado é uma seleção de mais de 40 canções.

Na adaptação, procurou-se preservar o estilo do texto original, lembra Negrini. Embora seja narrado em primeira pessoa, a obra contém diálogos e citações, o que possibilit­ou a abertura para tantos personagen­s em cena.

Puga diz que a escolha também recai sobre a maneira irreverent­e com que Frank aborda a sexualidad­e. E observa que a menina não se coloca como heroína ou vítima das situações.

Uísque e Vergonha

Teatro Novo, r. Domingos de Moraes, 348. Sex. e sáb., às 21h30; dom., às 19h. R$ 50 a R$ 60. 18 anos

 ?? Lenise Pinheiro/Folhapress ?? Alessandra Negrini em cena como Charlotiê, protagonis­ta da peça ‘Uísque e Vergonha’, e Ester Laccava (no sofá, ao fundo)
Lenise Pinheiro/Folhapress Alessandra Negrini em cena como Charlotiê, protagonis­ta da peça ‘Uísque e Vergonha’, e Ester Laccava (no sofá, ao fundo)

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