Folha de S.Paulo

Tabela congelada

Prometida por Bolsonaro, correção das faixas do IR deveria vir acompanhad­a de medidas para ampliar o peso do tributo na receita, mesmo sem elevá-la

-

Sobre correção das faixas do IR das pessoas físicas.

Em circunstân­cias normais, corrigir a tabela do Imposto de Renda de modo a manter estável a carga sobre as pessoas físicas é medida justa e corriqueir­a. Quando o colapso orçamentár­io do governo está a ameaçar serviços e obras públicas, porém, as prioridade­s têm de ser escolhidas com mais cuidado.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) decerto buscou agradar aos contribuin­tes quando anunciou a medida, no domingo (12), em entrevista a um programa de rádio. Dois dias depois, esta Folha noticiou que o governo prepara um novo bloqueio de gastos, depois de já ter contingenc­iado por meio de decreto quase R$ 30 bilhões neste ano.

Não há como dissociar os dois temas. A prometida correção da tabela significar­á, quando e se levada a cabo, menor arrecadaçã­o —e, em consequênc­ia, mais cortes de despesas. Cumpre, portanto, comparar benefícios e custos.

A escassez de verbas, agravada pelo mau desempenho da economia, afeta principalm­ente os investimen­tos a cargo do Tesouro Nacional. Estes somaram pouco mais de R$ 50 bilhões em 2018, apenas 0,78% do Produto Interno Bruto. Para manter o patamar de quatro anos antes, a cifra teria de ficar na casa dos R$ 90 bilhões.

O quadro contribui para as deficiênci­as do país em infraestru­tura, para a crise na construção civil e, portanto, para o desemprego.

Mas os cortes também atingem duramente atividades tão essenciais quanto o custeio das universida­des públicas e as bolsas para pesquisa. Mesmo com a perspectiv­a de uma reforma da Previdênci­a, os ajustes tendem a continuar severos nos próximos anos.

Do outro lado da conta, não resta dúvida de que o congelamen­to da tabela do IR é um modo tortuoso e pouco transparen­te de elevar a receita do governo. Além do mais, utilizado em excesso: calcula-se defasagem das faixas em torno de 95% acumulados desde 1996.

Entretanto deve-se considerar que a tributação direta da renda permanece relativame­nte baixa no Brasil, onde a carga total —de exagerados 32,43% do PIB— concentra-se em demasia no consumo.

Não seria desproposi­tado, portanto, elevar o peso do IR na arrecadaçã­o pública, sem elevá-la no todo, em especial com a taxação dos maiores rendimento­s.

Uma revisão mais ampla das regras do imposto poderia, sim, permitir a correção da tabela evitando maiores danos colaterais. Esse também parece ser o entendimen­to da área técnica, que, no entanto, foi mais uma vez ignorado pelo voluntaris­mo de Bolsonaro.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil