Gestão Doria dá inicio a mudança administrativa na TV Cultura
Aos 50 anos, TV Cultura passa por transformação conceitual e administrativa, com conteúdo mais pop, promessa de novas plataformas de exibição e comando de empresário amigo do governador
Com um novo norte comercial e em busca de audiência, o governo João Doria iniciou uma reformulação conceitual e administrativa da TV Cultura, que completa 50 anos. A data será comemorada nesta quarta-feira (15), e ganhará cerimônia no Theatro Municipal de São Paulo.
Desde que o ex-prefeito de São Paulo assumiu o governo, a programação da emissora vem passando por reformulações. Na semana que vem, José Roberto Maluf, executivo com trajetória no setor privado e amigo do governador, deve assumir a presidência da Fundação Padre Anchieta, que administra a TV.
O cenário ainda em formação indica que a Cultura, além de ficar mais pop, passe a agregar ao modelo atual novas plataformas de exibição.
“Hoje não faz mais sentido pensar a operação de um grupo de comunicação apenas como canal de TV”, diz o secretário de Cultura e Economia Criativa, Sérgio Sá Leitão.
“Pensaremos a TV Cultura como uma curadoria de conteúdos que possam ocupar diversos meios e plataformas, incluindo a TV paga, o YouTube, o streaming e aplicativos.”
A intenção, segundo ele, é não perder o foco da qualidade da programação —ele recusa o termo “comercial”— e apostar cada vez mais em conteúdos independentes e cada vez menos no que é criado dentro da própria emissora.
Prenunciam-se ainda novas formas de publicidade, patrocínio e parcerias comerciais, incluindo “branded content”, que são conteúdos patrocinados por empresas para promoção de suas marcas.
Em 2018, de um orçamento geral de R$ 156 milhões, R$ 108 milhões tiveram como origem o próprio estado. No balanço de 2017, o último disponibilizado no sistema da Fundação, uma auditoria apontou um “elevado grau de dependência com o Estado”, pois “parcela substancial das suas receitas são oriundas de dotações governamentais”.
Ainda neste ano, para sua nova grade, a TV Cultura anunciou 20 estreias entre abril e maio. Entre elas, está o reality “Cultura, o Musical”, em que jurados avaliam o trabalho de intérpretes do teatro cantado. Há também o “Escala Musical”, com entrevistas de músicos —Fafá de Belém, Otto, Karol Conka, Fernanda Abreu estão na lista.
Na ficção, houve no fim de abril a estreia da série “Genius: A Vida de Einstein”, que foi produzida originalmente pela National Geographic. Nesta terça (14), o #Provocações, sob comando de Marcelo Tas, trouxe Ciro Gomes como convidado de lançamento.
Para chegar ao nome do novo presidente, a fundação contratou um headhunter —sinalizando que o processo de escolha primaria pela independência da emissora. Diversos nomes passaram pelo processo de seleção: entre os mais cotados, estavam o ex-diretor de negócios internacionais da Globo, Ricardo Scalamandré, e Helena Bagnoli, que tem no currículo passagem pela TV Cultura e pela revista Bravo!.
A uma semana da votação do conselho artístico para a eleição do novo presidente, que entra no lugar de Marcos Mendonça, Maluf é apresentado em candidatura única, pois apenas ele reuniu no conselho subscrições suficientes para concorrer ao cargo.
Maluf, que por enquanto não quer dar entrevista, trabalhou para o Grupo Doria. Desde 1999, sua amizade com o atual governador era assunto de jornais. Naquele ano, a Folha registrou que o então empresário organizaria jantar para homenageá-lo.
Nos bastidores, diz-se que Doria, sem perder influência dentro da emissora, não queria um político na cadeira. Evitaria, portanto, o perfil do atual presidente, que foi quadro histórico do PSDB e secretário estadual de Cultura entre 1995 e 2002. Teria contado para a escolha de Maluf o perfil ligado ao setor privado.
Entre funcionários da TV, no entanto, a possibilidade de um direcionamento comercial da grade causa preocupação.
O currículo de Maluf é bem avaliado por diversos conselheiros da fundação —e existe grande probabilidade de que não haja oposição a sua eleição na semana que vem. Além de ter passado pela Band e pelo SBT, Maluf preside o Grupo Spring de Comunicação, que edita a revista Rolling Stone, hoje publicada só na internet.
O conselho que elegerá o novo presidente é o mesmo que foi criticado por Augusto Nunes, ex-apresentador do Roda Viva, em julho do ano passado. O jornalista disse ao programa Pingue-Pongue com Bonfá, exibido no YouTube e comandado por Marcelo Bonfá, que era pressionado para que fossem convidadas figuras políticas para o programa. “Falavam: ‘Tem que chamar o ministro da Educação, o das Comunicações, o da Saúde’”, exemplificou, na conversa.
Procurado na época pela Folha, Mendonça disse que as escolhas dos entrevistados para o programa eram sempre pautadas por relevância jornalística. “Somos mantidos pelo estado. E temos total independência.”
A independência da programação da cultura é pauta antiga. A emissora foi criada em 1960 pelo Diários Associados e comprada em 1969 pelo governo do estado por meio da Fundação Padre Anchieta. Um dos momentos mais críticos de interferência política na sua programação foi entre 1979 e 1982, na gestão de Paulo Maluf.