Erosão da democracia pode ser sutil, diz polonês
O cientista político polonês Adam Przeworski, primeiro conferencista do seminário que celebra os 50 anos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), iniciado nesta terça (14), não poderia abordar outro assunto que não a crise da democracia no mundo —tanto por ser esta a especialidade pela qual ele é reconhecido mundialmente, quanto porque não se fala de outra coisa.
Ao estilo dos pesquisadores de ciências humanas, ele não veio para explicar, mas para confundir —ou, na linguagem acadêmica, para levantar algumas dúvidas pertinentes. Ao analisar as razões pelas quais uma direita de traços autoritários e xenofóbicos tem emergido vitoriosa na Europa e nos EUA, o professor da Universidade de Nova York (NYU) se diz incerto sobre a predominância de causas econômicas, culturais ou políticas.
Mas há alguns fatores sem precedentes, que ele aposta como determinantes para a análise do atual contexto.
A erosão dos partidos políticos tradicionais, dominantes desde o começo do século 20, é um deles. Ele identifica uma grande mobilidade entre eleitores de partidos antigos para legendas novas e uma alta abstenção nas urnas, simultânea a um aumento da votação para partidos de direita mais radical, nos países ocidentais.
Outro aspecto é a estagnação econômica —Przeworski mostra que, nos Estados Unidos, enquanto a taxa de produtividade por trabalhador cresceu desde os anos 1970, a remuneração pelo trabalho pouco mudou. O que leva a outro fator inédito, a queda na crença de que a próxima geração terá condições de vida melhores que esta.
Tudo isso aponta para o rompimento do que ele chama de “um compromisso de classe” no qual o governo conseguia mediar bem as relações entre trabalhadores e empresários. A soma de tudo isso pode indicar bons motivos para se deixar de confiar nas boas e velhas instituições.
Analisando colapsos de democracias bem estabelecidas no século 20, o cientista político aponta que apenas 11 dos 88 regimes estudados por ele colapsaram de forma clara. “Mas por que ainda estamos nervosos? Talvez porque agora elas periguem morrer de forma diferente”.
“Você pode destruir a democracia democraticamente, e é um tanto imperceptível”, afirmou.
Se o pesquisador evitou falar do caso brasileiro, a presidente do Cebrap, Angela Alonso, abordou a situação do país de forma velada em sua fala de abertura do evento.
Rememorando a história do instituto, fundado meses depois do AI-5, em 1969, a socióloga e colunista da Folha afirmou que o instituto está preparado para “tempos difíceis” e saudou sua persistência em momentos de maior gravidade. “Nós vingamos, não de parto natural, mas a fórceps”, assertou. “Para quem nasceu nas trevas da exceção, a longevidade em si é um feito.”
O seminário Democracia à Brasileira segue no Sesc Vila Mariana nesta quarta (15) e quinta (16).