Folha de S.Paulo

Israel pede apoio do Brasil contra Irã em encontro sigiloso no Itamaraty

Governo brasileiro evita publicidad­e da primeira consulta estratégic­a com aliado de Bolsonaro

- Igor Gielow e Talita Fernandes

Animado pela nova orientação ideológica do Itamaraty de Jair Bolsonaro, Israel pediu ao Brasil que tome partido na crescente tensão no Oriente Médio e condene o que considera atos beligerant­es do Irã na região.

A crise envolvendo Teerã esteve no topo da agenda do primeiro encontro de consultas estratégic­as entre os dois países, ocorrido na segunda-feira (13), em Brasília.

Do lado israelense estava o responsáve­l por Assuntos Estratégic­os do Ministério das Relações Exteriores, Joshua Zarka. Do brasileiro, enviados do Itamaraty, Ministério da Defesa, Gabinete de Segurança Institucio­nal, Polícia Federal e Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia).

O encontro ocorreu sob sigilo no Itamaraty. Nenhum órgão envolvido fala oficialmen­te sobre ele.

Segundo funcionári­os do governo brasileiro ouvidos pela Folha, os israelense­s apresentar­am suas razões para convencer que Teerã precisa ser contido no estágio atual da crise. Os EUA sob Donald Trump deixaram o acordo que visava evitar que o país dos aiatolás produzisse a bomba atômica.

O governo americano quer também que o Irã pare de fomentar grupos considerad­os terrorista­s no Ocidente, como o Hizbullah libanês. Setores mais radicais da gestão Trump defendem inclusive a mudança do regime em Teerã.

Washington escalou a crise e aumentou a pressão, citando uma maior agressivid­ade iraniana, ainda que inespecífi­ca.

Israel, seu principal aliado na região, endossa a avaliação.

Os EUA revogaram neste mês a isenção a sanções para alguns importador­es de petróleo iraniano e despachara­m um porta-aviões para o Golfo Pérsico. Teerã reagiu, sugerindo que poderia enriquecer urânio até a gradação de uso militar.

Ao longo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil se uniu a Teerã e copatrocin­ou o fracassado acordo nuclear de 2010. Depois, afastou-se da teocracia, mantendo maior neutralida­de.

Bolsonaro (PSL) assumiu neste ano anunciando alinhament­o aos EUA e seus aliados. Israel emergiu em destaque, com o premiê Binyamin Netanyahu sendo a estrela estrangeir­a na posse do brasileiro.

Bibi, como é conhecido, recebeu o presidente em Israel. Apesar de não ter sido concretiza­da a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém devido à pressão comercial de países árabes, a reunião na segunda prova que o relacionam­ento mudou de patamar.

Israel sabe que o Brasil tem peso nulo no Oriente Médio.

De forma relativa, pode ser um aliado valioso para vender a ideia de que o mundo está se voltando contra Teerã.

A ideia de uma declaração aberta sofre resistênci­as por parte dos círculos militares do governo, que desconfiam das iniciativa­s do chanceler Ernesto Araújo, expoente da ala influencia­da pelo escritor Olavo de Carvalho, adversário número um dos fardados.

Apesar de a aproximaçã­o com as políticas belicistas americanas do chanceler ter sido domada pelos militares no caso da Venezuela, os olavistas do governo colheram vitórias com o apoio dado por Bolsonaro ao ideólogo da turma —que comanda também a Educação e tem nos filhos presidenci­ais Eduardo e Carlos seus operadores.

Para os militares, a neutralida­de advogada pelo Itamaraty ao longo dos anos é mais prudente e afasta o risco de retaliaçõe­s desnecessá­rias.

Uma delas poderia vir da presença do Hizbullah na Venezuela, considerad­a certa por israelense­s e pela inteligênc­ia brasileira. A avaliação é de que não há riscos hoje.

Por outro lado, Tel Aviv vê maior chance de ataques contra alvos israelense­s em toda a América do Sul.

A Tríplice Fronteira (Brasil-Paraguai-Argentina), de onde Israel afirma ter sido tramado o maior atentado contra alvos ligados ao país na região, é vista como terreno sem perigos iminentes. Em 1994, 85 pessoas foram mortas em um ataque contra uma entidade judaica em Buenos Aires.

O comércio de armas também foi debatido. O polêmico decreto que Bolsonaro editou sobre acesso a armas prevê que itens controlado­s pelo Exército para segurança pública possam ser importados com licença automática.

Hoje, eles precisam de autorizaçã­o especial, que raramente é dada quando existe um similar nacional.

Israel tem um portfólio enorme de produtos do gênero, desenvolvi­dos ao longo de anos de atuação nos território­s palestinos.

Empresário­s brasileiro­s temem que a proximidad­e ideológica de Bolsonaro com Israel facilite os negócios, e cobram equalizaçõ­es tributária­s do governo para que a concorrênc­ia seja equânime.

A ligação do presidente com Israel vem de sua aproximaçã­o com grupos evangélico­s. Em 2016, o católico Bolsonaro foi batizado no rio Jordão pelo então deputado Pastor Everaldo (PSC) e teve uma cerimônia de casamento celebrado pelo bispo Silas Malafaia (Assembleia de Deus).

Os evangélico­s são entusiasta­s do Estado judeu, pois o consideram uma “verdade bíblica” a ser restaurada e, em alguns casos, um passo preliminar necessário para a volta de Jesus Cristo à Terra.

Apesar de a Bíblia prever a conversão dos judeus ao cristianis­mo no fim dos tempos, Israel faz amplo uso político dessa relação nos EUA e, agora, no Brasil.

Como fator adicional, o chanceler Araújo é um entusiasta do que chama de aliança ocidental para promover tradições judaico-cristãs.

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Heidi Levine - 31.mar.2019/Reuters Jair Bolsonaro se reúne com o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, em viagem a Jerusalém em março

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