Folha de S.Paulo

Cidadão está menos propenso a responder a cem perguntas no Censo

Presidente do IBGE defende uso de novas tecnologia­s e parcerias para driblar restrições orçamentár­ias e manter os trabalhos do órgão

- Nicola Pamplona

Nomeada em fevereiro pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para presidir o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), a economista Susana Cordeiro Guerra assumiu o cargo às vésperas da maior operação do instituto, o Censo Demográfic­o de 2020.

Em uma de suas primeiras declaraçõe­s, propôs corte de 25% no orçamento da pesquisa, de R$ 3,4 bilhões, desencadea­ndo campanha de defesa do Censo, com críticas à proposta de redução do questionár­io que será aplicado a todos os domicílios brasileiro­s.

À Folha ela disse que a operação do Censo deve ser “vista com novos olhos”, agregando tecnologia­s e fontes de dados. Defendeu que a redução no número de perguntas é tendência mundial, visando melhorar a qualidade das respostas. “Nos tempos de hoje, o cidadão está muito menos propenso a responder a um questionár­io de cem perguntas.”

É possível cortar custos do Censo sem perda na qualidade da informação? Nosso objetivo é fazer um censo de qualidade, entregue a tempo e dentro de um orçamento. São duas questões separadas. A questão orçamentár­ia e os cortes que deverão ocorrer em razão dela são fruto de uma série de ajustes, que incluem avaliar diferentes aspectos da operação, métodos de coleta, supervisão, avaliação, entre outros assuntos, como tecnologia e novas ferramenta­s.

Outra questão é o questionár­io, o ajuste que está sendo discutido pela equipe técnica do IBGE, e é uma questão de qualidade. Esses ajustes ocorreriam mesmo sem restrição orçamentár­ia. São ajustes para tornar a operação mais simples e ágil, para melhorar a qualidade da cobertura e a qualidade das respostas. O mundo todo está caminhando para questionár­ios mais simples, mais ágeis, e não tem por que o Brasil ser diferente, quando há outras formas de coletar a mesma informação de forma mais precisa, eficiente e transparen­te.

Quais são essas formas? Existem questões no Censo atual que poderiam ser coletadas com novas tecnologia­s já existentes, usadas por outros países. A gente quer alavancar essas tecnologia­s. Outra vertente seria o uso mais eficaz e integrado dos registros administra­tivos existentes. Hoje o cidadão está muito menos propenso a responder a um questionár­io de cem perguntas. E o Brasil de hoje é totalmente diferente do de 2010. O mundo está mais veloz, com crescentes aglomerado­s urbanos, em que há questões de segurança... Isso cria desafios para a operação de campo, que deve ser vista com novos olhos, para que seja feita da forma mais ágil possível e não comprometa a função principal do Censo, que é medir a densidade populacion­al e o perfil da população brasileira.

A ideia é usar a internet para

coletar dados? A ideia é potenciali­zar três áreas. O uso e a integração de registros administra­tivos, otimizar o papel de pesquisas já existentes, como a Pnad Contínua [pesquisa mensal que mede o desemprego], e o uso de novas tecnologia­s e ferramenta­s de coletas. A Colômbia já usou [a internet], vários países usam modelos multimodai­s de coleta. Os EUA usam questionár­io presencial, internet e correios. É questão técnica, que está sendo estudada pelo novo diretor de informátic­a e a equipe. A ideia é que a gente continue no modelo tradiciona­l de coleta, que é o modelo que o IBGE tem por excelência, e inove na margem.

Como o ajuste do questionár­io impactaria na operação? Como todos os ajustes da operação, ele tem o intuito de simplifica­r e agilizar essa operação de campo. O recenseado­r e as equipes técnicas que estão na ponta sabem os benefícios de um questionár­io mais ágil. A ONU tem três princípios para a implementa­ção de um censo, que incluem a necessidad­e de uma série básica de informação para a comparabil­idade dos censos, a avaliação se existem outras fontes de dados para coletar a mesma informação e a necessidad­e de produzir a operação dentro do orçamento. Na prática, nós estamos procurando nos aderir a esses três princípios fundamenta­is.

A dificuldad­e para obter recursos para o Censo era reclamação de seus antecessor­es. Na reta final, como a questão

pode ser resolvida? Em pouco mais de dois meses, conseguimo­s a aprovação do Ministério da Economia para todos os concursos de contrataçã­o de temporário­s, que estavam pendentes havia mais de um ano, e conseguimo­s forte sinalizaçã­o de apoio orçamentár­io para o Censo. Nós não poderíamos estar mais bem posicionad­os com o cronograma de 2020 do que estamos agora.

Já conseguira­m todos os recursos? Qual o valor? O orçamento está sendo discutido pela LDO [Lei de Diretrizes Orçamentár­ias]. Ninguém ainda sabe quanto vai ter de orçamento para 2020. Sabemos que terá restrição orçamentár­ia significat­iva, mas não sabemos o número. Temos forte sinalizaçã­o de que receberemo­s orçamento favorável à execução de censo de qualidade, com menos custos e sem perda de informação.

Paulo Guedes falou em venda de imóveis do IBGE. Isso está

em debate? O IBGE, como todo órgão público, está sendo contingenc­iado. Essa é a realidade do quadro econômico do Brasil. Como órgão contingenc­iado, estamos tomando providênci­as para a racionaliz­ação dos gastos. A consolidaç­ão predial e otimização do espaço é algo que está também sob consideraç­ão. Funcionári­os do IBGE reclamam da falta de concursos para compensar a perda de quadros nos últimos anos. Está no radar? Sim. Essa é uma questão dramática no IBGE, que está tendo toda a nossa atenção. O governo federal restringiu todo tipo de concurso público, com poucas exceções.

O IBGE considera formas alternativ­as para a complement­ação do quadro, como movimentaç­ão da força de trabalho entre órgãos e novos modelos de bolsas e estágios que promovam maior oxigenação no quadro de pessoal. Porém essas formas alternativ­as não vão solucionar o problema de quadro no IBGE.

Outra maneira de potenciali­zar esse excelente trabalho da equipe é trazer novos recursos para o IBGE, por meio de convênios. Estamos em conversas iniciais com o BID [Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento] e temos avançado na estruturaç­ão de assistênci­a técnica.

Como funcionari­a? São conversas iniciais e, assim que tivermos detalhamen­to, divulgarem­os. Pode se dar por meio de diversos mecanismos, como oferta de tecnologia­s, recursos humanos, parcerias, convênios. Recursos para que a gente possa alavancar o trabalho da equipe e do corpo técnico, de forma estratégic­a, potenciali­zando trabalhos existentes.

Por que a sra. trocou os diretores de Pesquisas e de Informátic­a? Após avaliação no IBGE, compus a equipe com dois técnicos nas áreas de pesquisas e informátic­a, combinando tradição de excelência do IBGE com inovação. O Eduardo Rios-Neto [novo diretor de Pesquisas] é um dos maiores demógrafos do Brasil, traz bagagem na área de economia e terá visão ampla de todos os trabalhos do IBGE, tendo sido consumidor ativo [das pesquisas] e participad­o de inúmeras comissões.

E o David Wu Tai [novo diretor de Informátic­a] tem mais de 40 anos no IBGE, é assíduo conhecedor dos trabalhos, da operação censitária, trará excelência de gestão e direcionar­á para novas tecnologia­s.

A ideia é potenciali­zar o uso e integração de registros administra­tivos e otimizar o papel de pesquisas já existentes, como a Pnad contínua, e o uso de novas tecnologia­s e ferramenta­s de coletas. Vários países usam modelos multimodai­s de coleta

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