MEC abandona pacto de direitos humanos com 333 universidades
O governo Jair Bolsonaro (PSL) abandonou um projeto de promoção à educação universitária em direitos humanos. Lançado em 2017, na gestão Temer (MDB), o programa tem adesão de 333 instituições de ensino superior, a maioria particular, que agora estão sem interlocução com o MEC (Ministério da Educação).
O Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, Cultura da Paz e Direitos Humanos foi criado para promover atividades educativas, incentivar pesquisas e formações nessas temáticas na universidade.
A iniciativa é de adesão voluntária, sem a previsão de orçamento total, mas o governo federal lançou dois editais para financiar projetos no valor total de R$ 2,2 milhões.
Um dos editais continua vigente. A Unesco no Brasil também desenvolveu uma cooperação técnica com o MEC para apoiar o pacto.
Desde janeiro não há mais equipe responsável pela gestão do pacto e o MEC deixou de produzir boletins sobre as ações. As instituições não foram avisadas sobre a descontinuidade do programa.
A ESPM foi uma das instituições que aderiram. Funcionários tentam desde janeiro contato com o MEC, sem sucesso. O sistema para o envio de relatórios está desativado.
“Trabalhamos todo 2018 recolhendo iniciativas e quando fomos entregar o relatório vimos que não havia mais equipe”, diz Gisela Castro, professora da Pós-Graduação ESPM e coordenadora do Comitê de Direitos Humanos.
A faculdade decidiu manter as ações mesmo assim. “Era questão de política pública, que deveria ser continuada.”
O esvaziamento é reflexo da reforma administrativa do MEC sob Bolsonaro, que desmontou uma secretaria responsável por ações de diversidade, como direitos humanos.
A Secadi foi substituída pela subpasta Modalidades Especializadas, como a Folha revelou em janeiro —uma manobra para eliminar temáticas de direitos humanos do âmbito da pasta e a própria palavra diversidade, temática vista como de esquerda pelo governo.
Na ocasião, o presidente Bolsonaro comemorou o desmonte da secretaria.
Na UFPB (Universidade Federal da Paraíba), a adesão ao pacto possibilitou, por exemplo, uma política de segurança, com abordagem humanizada entre a vigilância dos campi e a comunidade. Também resultou em cursos de extensão universitária, iniciação científica e seminários.
“Depois que a Secadi foi destituída, houve um silenciamento do MEC”, diz a vice-reitora, Bernardina Freire. “O impacto disso é bastante desfavorável por perdermos uma relação nacional com outras universidades e o MEC.”
A federal foi uma das quatro selecionadas em 2017 para programa de formação de professores em direitos humanos. Cada projeto recebeu R$ 300 mil para bolsas e custeio (R$ 1,2 milhão no total).
Outro edital, esse em parceria da Secadi com a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), selecionou projetos de pesquisa em educação em direitos humanos e diversidades. Cinco universidades (Unesp, Uerj, UFMG, UFSC e UnB) foram selecionadas.
Este edital, no valor total de R$ 1 milhão, continua vigente até fevereiro de 2020. A Capes informou que a prestação de contas tem sido feita regularmente pelas instituições.
Referência no tema da educação em direitos humanos, a professora Nair Bicalho, da UnB, diz que o abandono da iniciativa reflete um governo no qual os direitos humanos estão completamente fora de lugar. “É assustador ver que o governo está completamente desconectado da história das políticas públicas de direitos humanos no país”, diz ela.
A Unesco colaborou com a produção de estudos técnicos para subsidiar as ações do pacto, no valor de R$ 60 mil.
“Essas ações estavam no âmbito de uma cooperação técnica com o MEC”, diz a coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca Otero. “Com a extinção da Secadi, acreditamos que o pacto tenha perdido força e protagonismo, mas nós não éramos membros do pacto, portanto não poderíamos falar sobre seu possível esvaziamento.”
O pacto foi criado em parceria do MEC com a Secretaria de Direitos Humanos. O MEC e o atual Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não responderam à Folha.