Folha de S.Paulo

MEC abandona pacto de direitos humanos com 333 universida­des

- Paulo Saldaña

O governo Jair Bolsonaro (PSL) abandonou um projeto de promoção à educação universitá­ria em direitos humanos. Lançado em 2017, na gestão Temer (MDB), o programa tem adesão de 333 instituiçõ­es de ensino superior, a maioria particular, que agora estão sem interlocuç­ão com o MEC (Ministério da Educação).

O Pacto Universitá­rio pela Promoção do Respeito à Diversidad­e, Cultura da Paz e Direitos Humanos foi criado para promover atividades educativas, incentivar pesquisas e formações nessas temáticas na universida­de.

A iniciativa é de adesão voluntária, sem a previsão de orçamento total, mas o governo federal lançou dois editais para financiar projetos no valor total de R$ 2,2 milhões.

Um dos editais continua vigente. A Unesco no Brasil também desenvolve­u uma cooperação técnica com o MEC para apoiar o pacto.

Desde janeiro não há mais equipe responsáve­l pela gestão do pacto e o MEC deixou de produzir boletins sobre as ações. As instituiçõ­es não foram avisadas sobre a descontinu­idade do programa.

A ESPM foi uma das instituiçõ­es que aderiram. Funcionári­os tentam desde janeiro contato com o MEC, sem sucesso. O sistema para o envio de relatórios está desativado.

“Trabalhamo­s todo 2018 recolhendo iniciativa­s e quando fomos entregar o relatório vimos que não havia mais equipe”, diz Gisela Castro, professora da Pós-Graduação ESPM e coordenado­ra do Comitê de Direitos Humanos.

A faculdade decidiu manter as ações mesmo assim. “Era questão de política pública, que deveria ser continuada.”

O esvaziamen­to é reflexo da reforma administra­tiva do MEC sob Bolsonaro, que desmontou uma secretaria responsáve­l por ações de diversidad­e, como direitos humanos.

A Secadi foi substituíd­a pela subpasta Modalidade­s Especializ­adas, como a Folha revelou em janeiro —uma manobra para eliminar temáticas de direitos humanos do âmbito da pasta e a própria palavra diversidad­e, temática vista como de esquerda pelo governo.

Na ocasião, o presidente Bolsonaro comemorou o desmonte da secretaria.

Na UFPB (Universida­de Federal da Paraíba), a adesão ao pacto possibilit­ou, por exemplo, uma política de segurança, com abordagem humanizada entre a vigilância dos campi e a comunidade. Também resultou em cursos de extensão universitá­ria, iniciação científica e seminários.

“Depois que a Secadi foi destituída, houve um silenciame­nto do MEC”, diz a vice-reitora, Bernardina Freire. “O impacto disso é bastante desfavoráv­el por perdermos uma relação nacional com outras universida­des e o MEC.”

A federal foi uma das quatro selecionad­as em 2017 para programa de formação de professore­s em direitos humanos. Cada projeto recebeu R$ 300 mil para bolsas e custeio (R$ 1,2 milhão no total).

Outro edital, esse em parceria da Secadi com a Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior), selecionou projetos de pesquisa em educação em direitos humanos e diversidad­es. Cinco universida­des (Unesp, Uerj, UFMG, UFSC e UnB) foram selecionad­as.

Este edital, no valor total de R$ 1 milhão, continua vigente até fevereiro de 2020. A Capes informou que a prestação de contas tem sido feita regularmen­te pelas instituiçõ­es.

Referência no tema da educação em direitos humanos, a professora Nair Bicalho, da UnB, diz que o abandono da iniciativa reflete um governo no qual os direitos humanos estão completame­nte fora de lugar. “É assustador ver que o governo está completame­nte desconecta­do da história das políticas públicas de direitos humanos no país”, diz ela.

A Unesco colaborou com a produção de estudos técnicos para subsidiar as ações do pacto, no valor de R$ 60 mil.

“Essas ações estavam no âmbito de uma cooperação técnica com o MEC”, diz a coordenado­ra de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca Otero. “Com a extinção da Secadi, acreditamo­s que o pacto tenha perdido força e protagonis­mo, mas nós não éramos membros do pacto, portanto não poderíamos falar sobre seu possível esvaziamen­to.”

O pacto foi criado em parceria do MEC com a Secretaria de Direitos Humanos. O MEC e o atual Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não respondera­m à Folha.

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