Folha de S.Paulo

Crise e cortes freiam redução de desigualda­de nas universida­des

Pesquisa de economista da Unicamp indica reversão de tendência a partir de 2015

- Angela Pinho Zanone Fraissat/Folhapress

O avanço do Brasil ao longo de mais de uma década em ampliar o acesso à educação superior, tornando-a mais representa­tiva da população geral tanto em termos de renda como de cor, foi interrompi­do pela crise econômica e os cortes orçamentár­ios, indica pesquisa da economista Ana Luíza Matos de Oliveira.

Se essa situação não forreverti­da, ela deve significar mais concentraç­ão de renda, uma vez que o Brasil é um dos países do mundo em que a conclusão de uma graduação resulta em maior ganho salarial.

As caracterís­ticas socioeconô­micas dos estudantes do ensino superior foram analisadas em tese de doutorado recém-defendida pela economista na Unicamp (Universida­de Estadual de Campinas).

Com base na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) do IBGE, ela analisou dados de alunos de faculdades públicas e privadas.

Os resultados mostram que, apesar da importante persistênc­ia de desigualda­des, o perfil dos alunos de graduação se aproximou cada vez mais do da população em geral entre 2001 e 2015, tanto no quesito renda com onos decore diversidad­e regional, e tanto nas universida­des públicas como nas particular­es.

Há 18 anos, apenas 21,9% dos universitá­rios eram pretos ou pardos. Em 2015, esse percentual chegou a 43,5%. Pretos e pardos são 53,4% da população brasileira. Em 2001, os estudantes de graduação que estavam entre os 30% de maior renda familiar do país eram 82% do total do alunado. Em 2015, eram 51,5%.

Em 2016, porém, a tendência der edução d ades i gualda deér evertida, emmeio acrise econômica e cortes no Orçamento. Se a participaç­ão dos negros segue em alta, principalm­ente devido à intensific­ação de políticas afirmativa­s, de 2016 para 2017 a distância entre os 30% mais ricos e os 70% mais pobres aumentou no ensino superior, segundo os dados da Pnad Contínua.

Para Ana Luíza, é preciso analisar uma série temporal mais longa para verificar se esse aumento da desigualda­de educaciona­l se confirma.

Os sinais atuais, contudo, não são positivos diante dos cortes de verba .“Se o mercado de trabalho voltasse ater uma pujança, um dos fatores de inclusão poderia ser retomado. Porém, outra questão muito importante são as políticas públicas”, afirma, citando programas como o Fies, que dá financiame­nto; o Prouni, que troca bolsas por isenção tributária; o Reuni, que expandiu vagas em universida­des federais; e as cotas para negros e indígenas.

Para corroborar essa hipótese, ela estudou o caso da Índia, onde também houve expansão de vagas, mas não foram implantada­s políticas na mesma medida.

Com isso, a desigualda­de de acesso ao ensino superior aumentou no país. “As políticas públicas são fundamenta­is, porque os mais pobres têm menos condição de arcar com a universida­de”, diz.

O caso de Tiago Domingues Pereira, 21, ilustra o que a economista diz. Morador de uma comunidade pobre na região de Itaquera, na zona leste de São Paulo, ele foi aprovado em 2016 em um curso tecnológic­o na UTFPR (Universida­de Tecnológic­a Federal do Paraná).

No dia da mudança para a cidade de Toledo, sua mãe, diarista, lhe deu R$ 300. Já instalado, ele obteve uma bolsa auxílio da instituiçã­o, mas não conseguiu renová-la. Após tentar se manter vendendo calculador­as e criando um pequeno negócio que não deu certo, conta que chegou a passar fome e aí não teve jeito: precisou abandonar o curso.

De volta a São Paulo, Tiago hoje presta consultori­a a empreended­ores da periferia enquanto guarda dinheiro para tentar outra vez ingressar em uma universida­de. “Vindo da favela, aprendi que a única coisa que pode mudar a vida de pretos e pobres para melhor é o estudo”, afirma.

Segundo o frei David dos Santos, diretor do cursinho popular Educafro, onde Tiago estudou, situações de cotistas que abandonam o curso por falta de condições de se manter têm se tornado cada vez mais comuns.

O problema não deve melhorar tão cedo. Professora da UnB (Universida­de de Brasília), Ana Cristina Murta Collares lembra que políticas de permanênci­a estão entre as primeiras que devem afetadas pelos cortes anunciados pelo governo Jair Bolsonaro.

Jovens do perfil socioeconô­mico de Tiago são alguns dos 2 milhões de estudantes que todo ano prestam o Enem, mas não se matriculam em nenhum curso de graduação, segundo levantamen­to feito pelo Semesp (associação de instituiçõ­es de ensino superior privadas). A maioria (80%) é de famílias de renda mensal de até três salários mínimos.

“São alunos que manifestam interesse em ingressar no ensino superior, mas não conseguem nem pagar um curso particular nem passar em uma universida­de pública”, afirma Rodrigo Capelato, presidente da entidade.

Em sua avaliação, um programa essencial para esse público era o Fies, que chegou a financiar o estudo de cerca de 40% dos novos alunos e, após um enxugament­o consideráv­el a partir de 2015, hoje responde por menos de 5%.

Também para Murillo Marschner Alves de Brito, professor do departamen­to de sociologia da USP, o cenário não é promissor. “Quanto mais restrição de recursos para políticas desse tipo, maior é a tendência de aumento da desigualda­de”, diz.

Pondera ainda que, mesmo para quem está no sistema, as condições de acesso são desiguais, uma vez que jovens mais pobres precisam trabalhar ao longo do curso.

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Tiago Domingues Pereira, 21, que teve que abandonar curso superior por falta de auxílio
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