Folha de S.Paulo

Após manobra, Senado vota projeto sobre política de drogas

Texto, alvo de críticas, segue para plenário sem as alterações na redação original

- Thaiza Pauluze

O projeto que muda a política sobre drogas no país e pode transforma­r em lei diretrizes do governo Bolsonaro deve ser votado no Senado nesta quarta-feira (15).

Após manobras para acelerar a tramitação, o texto foi aprovado conjuntame­nte em duas comissões (a de Assuntos Econômicos e a de Assuntos Sociais) em 8 de abril e, sem parecer da Comissão de Direitos Humanos, agora será levado ao plenário, em caráter de urgência.

O texto regula temas controvers­os como a possibilid­ade de internação involuntár­ia de usuários de droga e o aumento da pena mínima para traficante que comandar organizaçã­o criminosa, de 5 para 8 anos de reclusão. Também incorpora ao Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas) as comunidade­s terapêutic­as —instituiçõ­es de cunho religioso já acusadas de violação de direitos.

A pressa, dizem os senadores, é a proximidad­e do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) que pode descrimina­lizar o uso de drogas no Brasil —já apoiada por três ministros. Suspensa desde setembro de 2015, a discussão será retomada em 5 de junho.

O Projeto de Lei da Câmara 37, de 2013, é de autoria do exdeputado federal e atual ministro da Cidadania, Osmar Terra, e transforma em lei dispositiv­os da Política Nacional sobre Drogas, divulgada no mês passado pelo governo.

O ministro diz que o Brasil vive epidemia de dependênci­a química. Porém dados da pesquisa da Fiocruz sobre uso de drogas no país, que o Ministério da Justiça engavetou por quase um ano e meio, mostram que principal problema brasileiro é o consumo de bebidas alcoólicas.

Ao longo dos seis anos de tramitação no Senado, o projeto teve mudanças feitas em substituti­vo aprovado em comissões como a de Constituiç­ão e Justiça e a de Educação.

O senador Styvenson Valentim (Pode-RN), porém, decidiu resgatar o texto aprovado pelos deputados federais em 2013. Ele foi relator do tema na comissão de Assuntos Econômicos e, na de Assuntos Sociais, apresentou seu relatório sem realizar audiências públicas e descartou as alterações que tinham sido feitas.

Entre os pontos aprovados, mas que foram descartado­s por Valentim, estão a possibilid­ade de importação de derivados e produtos à base de cânabis para uso terapêutic­o e a criação de um limite mínimo de porte de drogas para diferencia­r usuário de traficante.

O substituti­vo também impunha exigências às comunidade­s terapêutic­as —são mais de 1.800 no país—, como a existência de equipe multiprofi­ssional e respeito à liberdade de crença. Isso porque relatório de 2017 da Inspeção Nacional em Comunidade­s Terapêutic­as tinha encontrado violações de direitos humanos em todas as 28 unidades visitadas, como punições físicas, retenção de documentos e trabalhos forçados, além da falta de equipes essenciais ao tratamento.

A ideia de Valentim é evitar que emendas façam o projeto retornar à análise da Câmara. Se o texto aprovado pelos deputados for mantido na votação no Senado, ele será enviado à sanção presidenci­al.

Por outro lado, a própria Câmara já tem anteprojet­o que propõe mudanças na legislação sobre drogas, entre elas a descrimina­lização do uso para consumo pessoal até determinad­a quantidade. O texto foi feito por um grupo de juristas a pedido do presidente da Casa, Rodrigo Maia.

O projeto que deve ser votado nesta quarta-feira modifica a Lei de Drogas, de 2006, e outras 12 leis. O texto traz de volta a abstinênci­a como objetivo do tratamento da dependênci­a, ao invés das políticas voltadas ao tratamento de saúde de usuários, focadas na redução de danos.

O dependente químico poderá ficar internado involuntar­iamente por até 90 dias para desintoxic­ação. Para interrupçã­o do tratamento será preciso pedir ao médico, diferentem­ente do previsto na Lei da Reforma Psiquiátri­ca, de 2001, que atribuía à família o poder de determinar o fim da internação.

A norma, porém, continua sem estabelece­r critérios objetivos para caracteriz­ação de tráfico ou consumo de droga.

A rapidez para aprovação e a rejeição de ajustes propostos na Casa provocaram o protesto de mais de 50 entidades ligadas à saúde e ao direito.

Elas assinaram nota pública em que pedem a retomada do diálogo democrátic­o e das audiências sobre o projeto. Se aprovado, o projeto trará, na avaliação delas, graves retrocesso­s nas políticas de drogas.

O texto vai na contramão do relatório da ONU, de 2018, que propõe abordagem para controle de drogas baseada em políticas que foquem nas pessoas, na saúde e nos direitos humanos e exortou os países a mudarem leis para buscar alternativ­as à punição.

Para a pesquisado­ra do Instituto Igarapé Ana Paula Pellegrino, o corre-corre impede os novos senadores de discutir o projeto. “Ser irresponsá­vel com este tema vai ter um alto preço para a sociedade.”

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