Folha de S.Paulo

Órgão federal diz que decreto das armas é inconstitu­cional

Procurador­ia ligada a Ministério Público diz que norma atropela Congresso e é ilegal

- Ricardo Della Coletta

A Procurador­ia Federal dos Direitos do Cidadão, órgão que integra o Ministério Público Federal, afirmou nesta terça (14) que o decreto de Jair Bolsonaro que flexibiliz­ou as regras para o porte de armas é inconstitu­cional.

O entendimen­to consta em uma nota técnica encaminhad­a ao Legislativ­o, em que os procurador­es do órgão criticam a medida e argumentam que ela “atenta contra os princípios fundamenta­is da legalidade estrita e da separação de poderes, avançando na atribuição desse Congresso.”

O presidente Jair Bolsonaro editou, em 7 de maio, um decreto que promoveu uma série de mudanças nas regras para acesso a armas de fogos.

Entre outros pontos, o decreto incluiu novas categorias na lista de profission­ais autorizado­s a transporta­r armas, como políticos com mandatos e jornalista­s que trabalham com cobertura policial.

A mesma norma também extinguiu a obrigação de autorizaçã­o judicial para que adolescent­es pratiquem tiro; e retirou da lista de equipament­os restritos às forças de segurança armas mais letais, como a .40 e a 9 mm.

Para a Procurador­ia Federal dos Direitos do Cidadão, o decreto de Bolsonaro avançou sobre competênci­as do Parlamento por ter “o declarado objetivo de reverter a política pública de redução de armas de fogo adotada com a edição da Lei nº 10.826 de 2003 [Estatuto do Desarmamen­to].”

“Com essa configuraç­ão, a alteração no regime de posse e uso de armas de fogo pretendida pelo governo deveria ter sido submetida ao Congresso Nacional através de um projeto de lei, pois não se trata de matéria meramente regulament­ar, mas sim de alteração de uma política pública legislada”, afirma a nota do órgão vinculado ao Ministério Público Federal.

“O cenário é de inconstitu­cionalidad­e integral do decreto, dada a sua natureza de afronta estrutural à lei 10.826 de 2003 e à política de desarmamen­to por ela inaugurada. As ilegalidad­es se acumulam em praticamen­te todos os espaços regulados pela proposição: posse, compra, registro, porte, tiro esportivo e munições”, complement­am os procurador­es.

No documento, eles apontam ainda outras críticas ao decreto de Bolsonaro. Para os procurador­es, a ação do governo federal “afronta bases científica­s” que mostram que a ampliação do porte de armamentos “é prejudicia­l à segurança pública.”

“Em síntese, apenas com esses dados é possível dimensiona­r e concluir que, seja em meio urbano, seja em meio rural, a posse e o porte generaliza­do de armas de fogo agravarão o já muito sério problema atual de segurança pública no Brasil”, diz a nota técnica.

O decreto do presidente Bolsonaro já foi questionad­o na Justiça e provocou reações no Congresso Nacional.

A Rede Sustentabi­lidade ajuizou no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ADPF (arguição de descumprim­ento de preceito fundamenta­l) contra o decreto. Na última sexta-feira (10), a ministra Rosa Weber deu prazo de cinco dias para que Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sergio Moro, apresentem informaçõe­s sobre a medida.

Já consultore­s da Câmara e do Senado elaboraram pareceres que indicam que o decreto de Bolsonaro extrapola limites legais, distorcend­o o Estatuto do Desarmamen­to.

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