Folha de S.Paulo

Os Bernoulli, a família real da matemática

- Marcelo Viana Matemático e diretor-geral do Impa. Ganhador do prêmio francês Louis D.

Progressos recentes na neurologia mostram que o cérebro humano é uma estrutura plástica, que pode ser moldada de forma profunda. O órgão à nascença importa menos do que o modo como ele é reorganiza­do na infância e juventude, por meio da aprendizag­em. Então, ninguém nasce “de exatas” ou “de humanas”, isso é determinad­o pela educação.

Por isso, a vocação matemática é menos hereditári­a do que se imagina. O francês Jacques-Louis Lions foi excelente matemático e seu filho, Pierre-Louis, é detentor da medalha Fields. Mas tais situações são raras.

Curiosamen­te, conheço mais casos em que a vocação “passou” de sogro para genro. Jacques Hadamard foi sogro de Paul Lévy, que foi sogro do medalhista Fields Laurent Schwarz, que por sua vez foi sogro de Uriel Frisch. Não tenho explicação razoável para isso.

Mas a matemática tem pelo menos uma grande família. Originário­s da Bélgica, os Bernoulli emigraram para a cidade suíça da Basileia.

De quatro irmãos (e seis irmãs), dois alcançaram renome: Jacob e Johann. Daniel, filho de Johann, foi outro matemático de primeiro nível. Seu primo Nicolaus I, seus irmãos Nicolaus II e Johann II, e os filhos deste, Johann III e Jacob II, também fizeram contribuiç­ões significat­ivas à matemática.

Os trabalhos dos Bernoulli tratam de temas importante­s e diversos. Jacob fez avanços na teoria da probabilid­ade —lei dos grandes números, processos de Bernoulli— e descobriu a constante ‘e’ e os chamados números de Bernoulli. Johann trabalhou em equações diferencia­is (equação de Bernoulli) e no cálculo das variações. Daniel formulou o princípio de Bernoulli da hidrodinâm­ica e estudou o paradoxo de São Petersburg­o, importante problema em probabilid­ade e economia (teoria da decisão) formulado por Nicolaus I.

Extremamen­te talentosos, os Bernoulli também tinham problemas.

Havia ciúme entre Jacob e Johann. Depois que esse ficou famoso, Jacob declarava que o irmão havia sido seu aluno, o que irritava Johann. Eles brigaram por um problema isoperimét­rico (Qual a maior área que podemos limitar com uma curva de compriment­o dado?) e pararem de se falar em 1697. Jacob desconfiav­a que Johann queria seu emprego na Universida­de da Basileia, o que aconteceu depois de sua morte.

Johann também se envolveu em controvérs­ias com o marquês de L’Hôpital, seu patrocinad­or, e com o próprio filho, Daniel. Histórias que ficam para a semana que vem.

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