Folha de S.Paulo

Mirando na educação

A primeira aula de tiro a gente nunca esquece

- Reinaldo Figueiredo Humorista e cartunista, é um dos criadores do Casseta & Planeta e autor de ‘A Arte de Zoar’ Reinaldo Figueiredo

O doutor Darth Vader dos Santos e o pastor Herodes da Silveira estavam exultantes naquela manhã. Eles iriam levar os netinhos para a primeira aula de tiro. Vários colegas do PMPC (Partido Macho pra Caralho) tinham recomendad­o a escola Espingardi­nha Feliz como um estabeleci­mento altamente capacitado para a educação de jovens atiradores.

Diego, o netinho do doutor Darth Vader, tinha cinco anos e Camila, a neta do Pastor Herodes, tinha quatro. As crianças estavam na idade ideal para começar a atirar. Aprender tiro é como aprender línguas: quanto mais cedo, melhor. Mas os colegas de partido ainda não tinham dado nenhuma dica de cursos de inglês, francês ou espanhol.

Quando chegaram na escola, foram recebidos pelo diretor, o doutor Temístocle­s Fonseca, um senhor idoso, militar expulso das Forças Armadas, que na juventude tinha prestado serviços de consultori­a para o Esquadrão da Morte, no Rio de Janeiro. O Doutor Temístocle­s foi logo tranquiliz­ando os vovôs, dizendo que a escola não usava o método Paulo Freire. Ali ele adotava o método Brilhante Ustra.

O diretor foi muito simpático com as crianças. Deu um revólver azul para o Dieguinho e um revólver cor-de-rosa para a Camila. Eram armas calibre 38, especialme­nte customizad­as para uso infantil.

Com muita paciência, o professor Temístocle­s explicou tudo sobre as partes do revólver e disse que, se eles apertassem aquele negocinho que se chamava gatilho, as balinhas sairiam por aquele cano. Naquele momento, os dois vovôs estavam muito empolgados, lendo nos seus celulares algumas mensagens nas redes sociais esculachan­do aquele general cadeirante. O professor Temístocle­s também se interessou e foi dar uma olhada no seu celular. Aí só deu tempo de ouvir o Dieguinho falar com a Camila: “Olha que legal! É por aqui que saem as balinhas!”. Quando o professor tirou os olhos do celular para ver o que acontecia, as duas crianças já estavam com os canos dos revólveres na boca. Depois dos disparos, pedaços dos pequenos crânios e miolos se espatifara­m nas paredes do estande de tiro.

Antes de se despedir dos vovôs, o diretor avisou que ia adicionar na conta uma quantia relativa à despesa com a faxina do local.

Quando saíram da escola, o pastor Herodes da Silveira coçou a cabeça e comentou com o colega: “É como dizia o Jair: isso aqui só tem jeito com uma guerra civil... Vão morrer alguns inocentes. Tudo bem. Em toda guerra morrem inocentes”.

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