Atos mobilizam 170 cidades contra arrocho na educação
Bolsonaro chama manifestantes, nas ruas em 26 capitais e DF, de ‘idiotas úteis’, ‘imbecis’ e ‘massa de manobra’
Em dia de manifestações contra os cortes na educação, milhares de pessoas saíram às ruas em ao menos 170 cidades do país. Jair Bolsonaro (PSL), que está nos EUA, descreveu o movimento, o maior que enfrenta em quatro meses e meio de governo, como coisa de “imbecis” e “idiotas úteis” usados como “massa de manobra”.
Os atos ocuparam ruas e avenidas de todas as capitais do país, segundo monitoramento da Folha.
Estudantes e professores de escolas e universidades públicas e particulares participaram dos protestos, convocados originalmente por sindicatos contrários à reforma da Previdência.
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, convocado a explicar os cortes na Câmara, enfrentou um plenário esvaziado. Colocou a culpa nos governos anteriores pelo congelamento de orçamento na área e voltou a criticar as universidades.
O contingenciamento no MEC (Ministério da Educação) alcança R$ 7,4 bilhões, com impactos que vão da educação infantil à pós-graduação. Nas federais, foi de R$ 2 bilhões, ou 30% dos recursos discricionários (que não incluem salários).
O Ministério Público Federal abriu procedimento para apurar os efeitos dos cortes em ao menos 17 estados.
Uns imbecis (...) Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada Jair Bolsonaro presidente, em Dallas, em referência a manifestantes
É que nem o pai, que sabe que tem que comprar 0 vestido de 15 anos para a filha (...) Ele contingencia. É isso que o governo está fazendo Onyx Lorenzoni ministro da Casa Civil, defendendo o bloqueio
Eu trabalhei muito. Carteira assinada, a azulzinha, não sei se vocês conhecem Abraham Weintraub ministro da Educação, em audiência na Câmara para explicar os cortes
Em dia de protestos contra os cortes na educação, milhares de pessoas saíram às ruas em ao menos 170 cidades, em manifestações que o presidente Jair Bolsonaro afirmou serem feitas por imbecis e “idiotas úteis” usados como “massa de manobra”.
Os atos ocuparam ruas e avenidas de todas as capitais e do Distrito Federal, além de outras cerca de 130 cidades. Foram realizados inclusive em pequenos municípios, como Felipe Guerra (RN), de 5.734 habitantes, e na terra indígena Alto Rio Negro, na fronteira entre Amazonas e Colômbia.
Participaram manifestantes convocados por sindicatos contrários à reforma da Previdência, pauta original dos atos, e estudantes e professores de escolas e universidades públicas e privadas.
Havia políticos e militantes de partidos de esquerda, integrantes de centrais de trabalhadores e alguns carregando bandeiras com a mensagem “Lula Livre”. Mas milhares de manifestantes, de crianças a idosos, não tinham ligação com siglas, em uma participação espontânea que remeteu aos protestos de 2013.
Na capital paulista, o ato se estendeu por dois quilômetros da avenida Paulista, entre a rua Augusta e a avenida Brigadeiro Luiz Antônio, e depois seguiu para a Assembleia Legislativa. Atrás do Masp, ônibus fretados paravam com estudantes de rosto pintado vindos de cidades do entorno.
Era o caso de alunos do ensino médio de escolas estaduais de Itaquaquecetuba, na Grande SP, que fizeram uma vaquinha com pais e professores para locar cinco veículos. “Eles se organizaram e pediram nossa ajuda para vir”, disse o professor de história Marcos Santos de Souza, 40.
A falta de vinculação de parte dos manifestantes a organizações e partidos era visível em cartazes, muitos em papel sulfite. Diversos deles faziam referência à liberação de armas promovida pela gestão Bolsonaro (“menos armas e mais educação”) e a declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, em um primeiro momento, atribuiu cortes nas universidades a uma suposta “balbúrdia” dentro delas, com sem-terra e “gente pelada” nos campi.
O ministro depois afirmou que o contingenciamento seria estendido a todas as universidades devido à situação econômica e que poderia ser revisto em caso de melhora na expectativa de arrecadação.
Os cortes atingem 30% das despesas discricionárias das universidades, que bancam despesas de custeio, como luz e água, e gastos com empresas terceirizadas de segurança e limpeza, por exemplo.
Em conta que inclui salários de funcionários e professores, a gestão Bolsonaro afirma que o corte é de apenas 3,4%.
Dos Estados Unidos, o presidente afirmou que os estudantes eram “imbecis” que estavam sendo usados.
“É natural [que haja protesto], agora a maioria ali é militante, não tem nada na cabeça, se perguntar 7x8 pra ele, não sabe. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada”, afirmou. “São uns idiotas úteis, uns imbecis,
Jair Bolsonaro presidente, em visita ao Texas (EUA) Fernando Haddad ex-candidato à presidência da República pelo PT no ato na av. Paulista Hamilton Mourão presidente interino Onyx Lorenzoni ministro da Casa Civil, sobre os cortes Frase em cartaz de protesto em Salvador
que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona que compõe o núcleo de muitas universidades federais no Brasil.”
Em Brasília, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, comparou os cortes à compra de um vestido de festa. “É que nem o pai que sabe que tem que comprar o vestido de 15 anos da filha lá em outubro, mas ele está em maio”, disse, ao argumentar que não se trata de corte, mas de reserva.
Já Hamilton Mourão, presidente interino enquanto Bolsonaro está nos EUA, afirmou que o governo falhou ao explicar os cortes. Posteriormente, disse acreditar que “houve exploração política” das manifestações para usá-las como protesto ao governo.
Mourão ressaltou ainda que outros governos também fizeram contingenciamentos no orçamento e não enfrentaram manifestações.
Em nota, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, amenizou o discurso de Bolsonaro e de Mourão e afirmou que as manifestações são “legítimas” e “democráticas”, “desde que não se utilizem de violência, nem destruam patrimônio público”.
Em São Paulo, Fernando Haddad (PT), adversário derrotado por Bolsonaro no segundo turno, afirmou que o presidente escolheu a educação “como alvo predileto”.
“Temos hoje mais de um milhão de pessoas nas ruas pela educação no país, e o presidente Bolsonaro está no Texas, a pátria que ele escolheu servir”, disse do carro de som contratado por sindicais.
Políticos de oposição também discursaram em Brasília.
Em Salvador, porém, onde Haddad teve mais votos que Bolsonaro nas eleições de 2018, o PT não foi poupado. Professores das universidades estaduais, em greve há mais um mês e com os salários congelados desde 2015, levaram cartazes com críticas aos cortes no orçamento estadual. Em um deles, o governador Rui Costa (PT) foi chamado de “Bolsonaro petista”.
Em São Paulo, integrantes do Judiciário também foram lembrados em cartazes que criticavam os gastos e salários de seus integrantes.
De forma geral, os protestos transcorreram de forma pacífica, mas, no Rio houve tumulto por volta das 20h na dispersão, com bombas e manifestantes fugindo correndo pelas vias paralelas que cortam a avenida Presidente Vargas, no centro da cidade.
Em Brasília, agentes da Força Nacional de Segurança se posicionaram em frente ao Ministério da Educação com escudos e capacetes, mas não houve conflito. Em São Paulo, o deputado estadual Mamãe Falei (DEM) discutiu com manifestantes quando o ato chegou à Assembleia Legislativa.
No final do dia, a UNE convocou um novo megaprotesto em todo o país para o próximo dia 30. “É o início do gosto amargo que o Bolsonaro vai sentir”, disse a presidente da entidade, Marianna Dias.
É natural [que haja protesto], agora a maioria ali é militante, não tem nada na cabeça, se perguntar 7x8 pra ele, não sabe. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe. São uns idiotas úteis que estão sendo usados como massa de manobra
Temos hoje mais de um milhão de pessoas nas ruas pela educação no país e o presidente Bolsonaro está no Texas, a pátria que ele escolheu servir
Com reportagem em Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Recife, Ribeirão Preto, Salvador, São Carlos, Rio de Janeiro e Dallas (EUA)
Leia mais das págs. B2 a B4
É óbvio que houve exploração política na manifestação, aproveitando como protesto ao nosso governo. Isso não tenho a mínima dúvida
É que nem o pai que sabe que tem que comprar o vestido de 15 anos da filha em outubro, mas ele está em maio
Ciência destrói mitos
Em ação coordenada, o MPF (Ministério Público Federal) acionou nesta quarta (15) instituições de ensino federais para apurar os impactos do bloqueio orçamentário determinado pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL). A iniciativa foi batizada de Dia D em Defesa da Educação.
Procuradorias da República em ao menos 17 estados, nas cinco regiões, instauraram procedimentos. O MPF solicita a cada instituição que informe se o contingenciamento resultará na extinção de cargos e se isso atinge negativamente atividades administrativas e acadêmicas.
As unidades também deverão indicar se o fomento a projetos de ensino, pesquisa, extensão, empreendedorismo e inovação será afetado.
No MEC, o bloqueio de recursos atinge R$ 7,4 bilhões, com reflexos em ações que vão da educação infantil à pósgraduação. Nas universidades públicas, são R$ 2 bilhões —30% dos recursos discricionários (que não contam salários, por exemplo), mas o impacto varia a cada instituição.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ligada ao MPF, coordena a iniciativa. O órgão encaminhou à Procuradoria-geral da República entendimento de que o bloqueio ocorreu de forma inconstitucional.
A mobilização reúne unidades do MPF nos seguintes estados: Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo.
Quase 20 instituições em todo o Brasil já foram acionadas.
Os mnistérios da Educação e da Economia também terão de dar explicações sobre estudos de impactos. O governo tem defendido que os congelamentos poderão ser revertidos no segundo semestre caso a economia melhore e que, nas universidades, equivalem a só 3,4% do orçamento total (o que inclui salários).