Folha de S.Paulo

Cientistas, poucos, apoiam cortes e pedem eficiência

Pesquisado­res dizem que sacrifício­s são necessário­s diante do atual cenário e pedem melhor eficiência nos gastos

- -Gabriel Alves e Reinaldo José Lopes

Um grupo de professore­s e pesquisado­res preferiu ficar bem longe das ruas nesta quarta-feira (15). Assumidame­nte minoritári­os, eles afirmam que o contingenc­iamento é necessário para reorganiza­r as finanças e atingir as metas fiscais do governo e também defendem melhor eficiência no uso dos recursos.

“O país passa por uma crise econômica importante. Infelizmen­te, sacríficos precisam ser feitos. E o contingenc­iamento, que não é um corte absoluto, pode ser revertido. Não fico feliz que ele incida sobre ensino, pesquisa e extensão, mas o vejo como necessário para que o governo retome os investimen­tos no futuro”, diz Ricardo Moreno Lima, professor de educação física e pesquisado­r de fisiologia do exercício na UnB (Universida­de de Brasília).

Lima faz analogia semelhante à do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que comparou o contingenc­iamento à economia de uma família que precisa comprar um vestido de festa.

“Um pai que perde o emprego vai manter o filho nas aulas de inglês, espanhol, natação e judô? Acredito que ele tenha que fazer um corte, e claro que não fica feliz ao ver o filho nessa situação”, diz Lima.

Ricardo Costa, pesquisado­r de história da arte na Ufes (Universida­de Federal do Espírito Santo) e assessor no MEC, vai na mesma linha. “O rombo é enorme, a economia parou de crescer. Estamos reféns da aprovação da reforma da Previdênci­a. Se ela passar, os recursos poderão voltar.”

Costa relata que 70% das bolsas de pesquisa do programa de pós-graduação do qual participav­a na Ufes podem ser cortadas caso a nota do programa na Capes (que avalia a pós-graduação no país) não melhore.

Segundo ele, o efeito do congelamen­to de verbas nas pesquisas em andamento em sua área é menor, mas em outras, como biologia e medicina, o impacto é imediato.

Convidado no início do ano para ir ao MEC e virar assessor especial do ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez, Costa passou a ser assessor na gestão Abraham Weintraub com a mudança na chefia da pasta.

Ele aponta que o governo tem dificuldad­e em lidar com a pressão da imprensa e explicar os motivos dos contingenc­iamentos. Lima diz que o presidente Jair Bolsonaro foi infeliz ao chamar os manifestan­tes de imbecis e idiotas úteis, mas defende o presidente como a melhor escolha na eleição presidenci­al de 2018.

Para Luis Fabiano Farias Borges, analista de ciência e tecnologia da Fundação Capes, falta eficiência nos gastos em educação. Ele afirma que há um contraste entre o baixo impacto da ciência brasileira e o de países que investem proporção similar ou inferior de seu PIB em pesquisa, como o Chile ou a Estônia.

Tal como o Brasil, a Estônia despendeu 1,3% de seu PIB na área em 2016. No entanto, nesse mesmo ano, os artigos publicados pelos pesquisado­res daquele país ocuparam o quinto lugar entre os mais citados, em média, no mundo. Já o impacto médio dos estudos brasileiro­s ficou em torno de 40% do dos estonianos.

“O Chile, gastando 0,4% do PIB com pesquisa e desenvolvi­mento, também tem conseguido um impacto superior ao brasileiro em suas pesquisas. Isso sugere que a eficiência econômica do gasto no Brasil está aquém do desejado.”

Em sua opinião, o problema é estrutural e só poderá ser resolvido a longo prazo, com mudanças profundas na maneira como funciona o orçamento da área no país.

Já o físico Ildeu de Castro Moreira, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), diz que é preciso considerar que o impacto da ciência feita no Brasil não se mede apenas pelas citações de artigos científico­s nacionais em periódicos especializ­ados, mas também pelos reflexos positivos na economia e na sociedade.

“Por um lado, de fato, nós precisamos aumentar os nossos índices de cooperação internacio­nal, o que faz muita diferença na questão do impacto. Também temos um certo problema de foco e de governança nas agências de fomento e nos sistemas de avaliação, que não podem apenas incentivar a produção de ‘papers’ [artigos científico­s] como um fim em si mesma.”

Moreira diz ainda que é um erro esperar que as universida­des públicas sejam exclusivam­ente responsáve­is tanto pela ciência básica quanto pela inovação tecnológic­a — essa segunda também depende de interesse e investimen­tos do setor produtivo.

“Isso não significa que esse impacto econômico esteja ausente do que a ciência brasileira produziu até hoje, muito pelo contrário. Já fizemos algumas apostas importante­s na geração de conhecimen­to, lá atrás, que se transforma­ram em cresciment­o econômico. Foi o que aconteceu com a adaptação da soja ao cerrado, por exemplo — a Embrapa já demonstrou que cada R$ 1 investido na pesquisa agropecuár­ia no Brasil se reverte em R$ 12 para a sociedade. O mesmo vale para as pesquisas sobre tecnologia­s de petróleo e gás, que nos renderam o pré-sal, ou para pesquisas na área da saúde.”

O risco, para o físico, é que essas possibilid­ades sejam destruídas por cortes de verba draconiano­s demais. “O país vive de espasmos nessa área. E agora parece que se deseja desmontar algo que foi construído ao longo de décadas.”

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