Folha de S.Paulo

Justiça para Temer

Ex-presidente é investigad­o por crimes graves e as evidências contra ele estão longe de desprezíve­is; sua prisão preventiva, porém, não se justificav­a

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Sobre soltura pelo STJ e suspeitas de corrupção.

Por unanimidad­e de quatro votos, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou a soltura do ex-presidente Michel Temer (MDB), que se encontrava em prisão preventiva. Os efeitos da decisão se estendem ao coronel João Baptista Lima Filho, braço direito do emedebista.

Em seus votos, ministros usaram imagens fortes —como “caça às bruxas com ancinhos e tochas na mão”— para criticar o abuso das prisões cautelares. Trata-se de recado veemente à ala de juízes e promotores da Lava Jato que aposta em interpreta­ções folgadas dos requisitos para o encarceram­ento.

Ressalte-se que o julgamento não representa um golpe contra a operação jurídico-policial nem passa um atestado de inocência a Temer.

Como ministros do STJ fizeram questão de destacar, o combate à corrupção é um imperativo —e deram-se passos importante­s nesse caminho. Entretanto não se pode confundir a prisão cautelar com o cumpriment­o da pena.

Com efeito, a preventiva (uma das modalidade­s de prisão cautelar) deveria ser uma exceção, cabível apenas quando a manutenção do suspeito em liberdade representa perigo para a sociedade (se continuará a cometer crimes, por exemplo) ou quando há risco de destruição de provas, pressão sobre testemunha­s e fuga do país.

Embora a avaliação desses requisitos envolva sempre algum grau de subjetivid­ade, nenhum deles parece aplicar-se a Temer, que não ameaçou o andamento das investigaç­ões nem mesmo quando despachava no Palácio do Planalto e teria muito mais condições de fazê-lo.

O ex-presidente é investigad­o por crimes graves e as evidências contra ele estão longe de desprezíve­is. Para eventualme­nte levá-lo à prisão, entretanto, há passos óbvios e essenciais —a começar por um julgamento em que terá todas as oportunida­des de defender-se.

Se depois de análise técnica das provas apresentad­as houver condenação por um magistrado e, posteriorm­ente, por uma corte colegiada, aí sim o réu poderá começar a cumprir a pena imposta.

Há quem veja como excessivas as proteções dadas aos acusados, em especial devido à justa exasperaçã­o com a impunidade. No entanto elas integram direitos e garantias fundamenta­is que, por sua vez, resultam de um longo e precioso processo civilizató­rio.

Agiu bem, portanto, o STJ ao rever a prisão de Temer. Deplorável é que, em casos menos notórios, o sistema não funcione com a devida presteza. Inexiste outra explicação para o fato de detentos provisório­s, que não passaram por julgamento, representa­rem 40% da população carcerária do Brasil.

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