Folha de S.Paulo

BC hesitante

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Acerca de possibilid­ade de corte adicional dos juros.

Numa quase repetição do discurso que tem mantido desde o final do ano passado, o Comitê de Política Monetária do Banco Central continua a resistir a cortes adicionais na taxa básica de juros.

Até houve uma mudança sutil na avaliação do BC na ata da última reunião, divulgada na terça-feira (14), que ao menos reconheceu a piora do quadro de atividade econômica. Seria surpreende­nte se não o fizesse, dado que as projeções para o cresciment­o do Produto Interno Bruto vêm caindo continuame­nte.

Muitos analistas já trabalham com expansão próxima a 1% em 2019, semelhante ou menor que a do ano passado. A julgar pelos dados mais recentes divulgados pela autoridade monetária, que apontam queda de 0,68% na atividade no primeiro trimestre, o prognóstic­o nada tem de desproposi­tado.

Afinal, os principais setores continuam estagnados, a criação de empregos prossegue de forma lenta e falta disposição para novos investimen­tos privados.

Como se não bastasse a queda da confiança de famílias e empresas, que ainda buscam elevar sua poupança, o esgotament­o das finanças públicas também obriga todos os níveis de governo a uma gestão austera, que tende a perdurar.

A queda de arrecadaçã­o ameaça as metas orçamentár­ias e força contingenc­iamentos na esfera federal, enquanto estados e municípios quebrados cortam serviços e seguram correções salariais.

Nesse quadro tenebroso, e sem prejuízo da necessidad­e urgente de reformas, o conservado­rismo do BC nos juros, estáveis em 6,5% anuais desde março de 2018, tende a ser crescentem­ente questionad­o.

A justificat­iva do órgão para a inação é a incerteza quanto ao andamento das mudanças na Previdênci­a Social —cujo eventual fracasso poderia desencadea­r uma escalada das cotações do dólar e, no limite, pressões inflacioná­rias, mesmo no contexto recessivo atual.

Por outro lado, para o BC, a aprovação da reforma poderia reforçar a confiança, acelerar o cresciment­o e consolidar juros mais baixos.

Ainda que o temor em relação ao pior cenário seja em tese consistent­e, vai parecendo excessiva a atenção da autoridade monetária a consideraç­ões sobre o cenário político, do qual não tem controle.

A realidade é que a ociosidade na economia se mostra gigantesca. A taxa de desemprego está em 12,7%, e o PIB ainda está mais de 5% abaixo do observado no início de 2014, antes da recessão.

Mesmo na perspectiv­a mais positiva, tal defasagem não seria eliminada antes de 2021, ou mesmo além. Cortes de juros não constituem panaceia, mas podem atenuar a crise. Com a inflação sob controle, não há obstáculo evidente fora dos conflitos brasiliens­es.

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