Folha de S.Paulo

O colapso do teto

Teto de gastos tem servido para colocar a educação contra a saúde, a ciência contra a cultura

- Laura Carvalho Professora da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”

Em reunião com investidor­es em Nova York, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pôs o dedo na ferida ao afirmar, na terça-feira (14), que a aprovação da reforma da Previdênci­a não resolverá o problema de falta de cresciment­o da economia brasileira e que o teto de gastos, se não for revisto, pode levar o país ao “colapso social”.

Embora o atual contingenc­iamento de recursos também seja uma resposta à dificuldad­e de cumpriment­o da meta de resultado primário aprovada para este ano, o fato é que, mesmo se houver recuperaçã­o da arrecadaçã­o e as despesas previdenci­árias crescerem a um ritmo menor pela aprovação da reforma, limitar o cresciment­o do conjunto de despesas do governo à taxa de inflação do ano anterior (como determina a emenda constituci­onal 95) continuará fazendo com que sobre cada vez menos espaço a cada ano para os itens não obrigatóri­os do Orçamento.

A primeira consequênc­ia é um acirrament­o de conflitos distributi­vos na sociedade. Diferentes áreas e categorias, por meio de campanhas públicas, mobilizaçõ­es de rua e canais mais diretos de influência sobre os parlamenta­res e o Executivo, buscam preservar suas fatias em um bolo que vai ficando cada vez menor.

Em vez de trazer uma alocação mais eficiente ou prioritári­a dos recursos, como argumentav­am os defensores da regra, o teto de gastos tem servido, na prática, para colocar a educação contra a saúde, a ciência contra a cultura, o Minha Casa Minha Vida contra o Bolsa Família, com a distribuiç­ão final dependendo da capacidade de organizaçã­o ou do poder de influência de cada setor —além, é claro, dos objetivos de cunho político-ideológico de quem deveria nos governar.

Enquanto isso, áreas que contam com menos defensores levam boa parte do prejuízo: é o caso da infraestru­tura, por exemplo, que já recebe menos investimen­tos do que o necessário para cobrir até mesmo a sua deterioraç­ão, ainda que tenha fortes efeitos multiplica­dores sobre a geração de renda e empregos —cruciais para uma sonhada retomada.

Nesse sentido, é importante que as mobilizaçõ­es legítimas de cada setor pela preservaçã­o dos recursos destinados a áreas prioritári­as para a sociedade —o Censo, a educação pública ou as bolsas de pesquisa, por exemplo— venham combinadas a uma demanda coletiva por um regime fiscal que garanta o equilíbrio das contas públicas no médio prazo sem impor uma camisa de força à democracia e à própria economia.

O colapso social a que se referiu Rodrigo Maia e o caráter crônico de nosso quadro de estagnação econômica por insuficiên­cia de demanda poderiam ser evitados com a substituiç­ão do atual regime fiscal por novas regras, mais alinhadas com as praticadas no resto do mundo. Por exemplo, a fixação de metas anuais para o cresciment­o real dos gastos públicos em linha com a tendência esperada de cresciment­o da economia.

Além disso, a redistribu­ição da carga tributária em discussão no Congresso Nacional poderia ser planejada de modo a gerar aumento das receitas nos primeiros anos, abrindo espaço até mesmo para uma expansão dos investimen­tos públicos e de outras despesas com alto potencial de estímulo à economia e à geração de empregos.

Não faltam alternativ­as ao modelo de ajuste fiscal em curso e seus altíssimos custos sociais e econômicos. As importante­s mobilizaçõ­es contra os cortes de verba em áreas prioritári­as podem servir também para colocá-las na ordem do dia.

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